O DEMÔNIO MUDO
S. Lucas XI, 14-28
Caríssimos e amados irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo!
Muitos são os pontos de meditação que nos oferece o Evangelho
deste domingo; mas, como a consideração de todos eles nos levaria muito longe,
excedendo demasiadamente os limites de um artigo, limitar-me-ei em falar sobre
o "demônio mudo".
Caríssimos, sabemos que os anjos são puros espíritos criados por Deus para sua
glória e seu serviço. Mas muitos deles, levados pelo mau exemplo de Lúcifer, se
rebelaram contra Deus e se tornaram ESPÍRITOS MAUS. Tornaram-se demônios e
todos são maus. Podemos concluir, no entanto, por palavras do próprio Jesus
Cristo (... volta com sete espíritos PIORES que o primeiro; ... há uma espécie
de demônio que só se expulsa com jejum e oração), que há uns piores. E
certamente este "demônio mudo" é um destes piores.
"Expulsou Jesus
um demônio, e ele era mudo". É chamado MUDO porque ele é que causa a mudez espiritual,
que é um mal terrível. O que tornava mudo aquele infeliz homem, era a presença
e a ação deste demônio que o possuía. Tanto assim, que, expulso que foi este
demônio, o homem recobrou o uso da palavra. Os Judeus não contestaram o
milagre: mas atribuíram-no à Beelzebub, príncipe dos demônios. Mas, Jesus tritura
tão indigna interpretação, interpretação esta que só podia nascer da má-fé.
Caríssimos, o que, no entanto, queremos ressaltar aqui é o
sentido moral escondido neste prodígio. A finalidade direta que Jesus tinha em
vista ao fazer milagres era confirmar sua missão de Messias e manifestar sua
bondade. Mas, é óbvio que o divino Mestre visava, outrossim, um ensinamento
moral e alegórico. Assim, este homem que o demônio tornava mudo, nos mostra um
dos efeitos que o pecado produz em nossas almas. O pecado nos torna mudos,
prendendo nossa língua naqueles usos para os quais Deus no-la deu como meios de
ganharmos o Céu: orar, dar testemunho da verdade e confessar nossos faltas no
Sacramento da Penitência. Quão terrível é este demônio mudo! pois nos pode
tirar os grandes meios de salvação: pois, quem não reza se condena, sem
confissão não há salvação (mesmo no arrependimento perfeito deve haver o desejo
da Confissão) e quem não confessa a verdade e não dá testemunho de Jesus
Cristo, no dia do Juízo será igualmente rejeitado pelo Supremo Juiz.
O primeiro e principal uso que Deus quer que façamos da palavra
em relação a Ele, é a ORAÇÃO.
Quer que por ela primeiramente O glorifiquemos e O adoremos. Deus quer que nos
sirvamos da palavra para falarmos com Ele mesmo, Criador de todas as coisas,
Mestre soberano do universo, o Ser eterno, a própria Sabedoria, a própria
Bondade, o Onipotente. Deus quer que nos dirijamos a Ele como Pai: "Pater Noster". E além do
culto de latria só devido a Deus, a língua é- nos dada também para, na oração,
agradecermos as graças recebidas, pedir novas graças e pedir perdão dos nossos
pecados. Caríssimos, devemos nos sentir singularmente honrados em poder entrar
em conversação com Deus, com o Ser tão grande, sendo nós tão pequenos! Este era
o pensamento de Abraão quando dizia do fundo de sua pequenez: "Falarei ao meu Senhor, ainda que eu seja pó
e cinza" (Gen. XVIII, 27).
Pois bem, o demônio mudo, quando reina numa alma pelo
pecado, fecha-lhe a boca, torna-a muda em relação a Deus. A oração, que faz as
delícias dos justos, torna-se uma como carga pesada para tais pecadores
dominados pelo demônio mudo. Para eles a oração é causa de desgosto e enjoo; e,
a medida que se afundam na iniquidade, eles negligenciam mais e mais a oração e
terminam mesmo abandonando-a completamente. Mais do que ninguém precisavam usar
a língua para implorar misericórdia, mas o demônio mudo, à exemplo do lobo, lança-se
na garganta destes infelizes impedindo-os de pedir o socorro divino.
Outro uso para o
qual a palavra nos foi dada por Deus, é a de DAR TESTEMUNHO DA VERDADE. Fazer
conhecer Deus a nossos semelhantes, de o louvarmos nas reuniões dos fiéis,
sustentar e defender a religião quando ela é atacada, confessar, então, nossa fé por nossos discursos bem como o
devemos fazer por nossos atos. Tudo isto é um dever para todos nós, e,
caríssimos, poderíamos melhor testemunhar a Deus nosso reconhecimento por este
dom magnífico da palavra do que empregando-o para a glória de Deus?
Quero, no entanto, salientar a obrigação
dos Eclesiásticos. Na verdade, é o respeito e os interesses humanos que impedem
que os superiores eclesiásticos se declarem publicamente por Deus, por Jesus
realmente presente na Hóstia Consagrada. Lamentam talvez internamente os
sacrilégios, mas não falam contra eles. Mantêm a verdade cativa, e não ousam
confessar publicamente a sua fé, ainda mesmo quando o silêncio é uma espécie de
apostasia. Os estragos do demônio mudo nunca são tão deploráveis como quando
exerce a sua tirania sobre os mesmos Pastores. O maior triunfo deste demônio
terrível é encadear a palavra sacerdotal. Ou fecha a boca aos ministros do
Senhor, ou não lhes permite que falem senão com timidez, quando deviam falar
com energia. Pastores, "cães mudos", quando não corrigis, com prudência
é verdade, mas também com a santa liberdade que vos convém, os pecadores
escandalosos que pervertem o povo, os libertinos, os blasfemos, os profanadores
do Santíssimo Sacramento; quando, na administração dos sacramentos, não ousais
advertir quanto seria necessário, para que os recebam com respeito e fruto;
quando no sagrado tribunal poupais a delicadeza dos culpados, à custa da sua
salvação, deixando-os na ignorância das graves obrigações que só vós podeis
ensinar-lhes, então concedeis ao demônio mudo um funesto triunfo; e mereceis
esta censura de São Cipriano: "Que cruel misericórdia é essa, que
consiste, não em curar o ferido, mas em esconder a sua ferida, para nela,
encerrar a morte? O Pastor de almas deve ser prudente e circunspecto,
mas ao mesmo tempo deve ser firme e animoso. "Deus dissipará os
ossos daqueles que procuram agradar aos homens" (Sl. LII,
6). "Deus castigará os tímidos tanto como os mais
criminosos" ( Apoc. XXI, 8).
Um terceiro uso que devemos fazer da palavra é CONFESSAR NOSSAS FALTAS no Sacramento
da Penitência. Na verdade Deus não se recusa a nos dar o perdão de nossos
pecados. Mas como condição deste perdão Ele exige expressamente que o homem
reconheça sua falta; e, pela confissão o homem reconhece seu pecado, e
reconhece-o pelo meio mais solene, mais autêntico que está em seu poder, pela
palavra que lhe foi dada para manifestar seu pensamento, isto é, pela palavra
que não é, ou pelo menos, não deve ser senão a expressão, a manifestação, a
veste do pensamento e assim podemos dizer que a alma mesma se torna de alguma
maneira visível.
Mas, caríssimos e amados irmãos, em
se tratando do mutismo em relação a confissão, podemos dizer que é aqui que o
demônio mudo triunfa. Vejam: uma pessoa desejava aliviar-se do peso que a
oprimia; sentia-se vivamente incitada a ser sincera; tinha começado bem;
uma palavra mais, e tem o Céu seguro, e na vida presente uma paz que sobrepuja
todo o entendimento; uma palavra menos, e merece o inferno, e desde já o
remorso que a dilacera. Que poder oculto fez morrer em seus lábios essa palavra
indispensável? - O demônio mudo - .Ah! quantas almas o demônio mudo conserva
encadeada pelo mutismo! Um grande número de almas, por tentação do demônio, por
falta de humildade, ocultam os seus pecados em confissão ou porque se
envergonham deles ou porque não querem corrigir-se.
O Sacerdote que ouve os pecados faz
as vezes de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele tem para os penitentes um coração de
pai; não se admira porque sabe as misérias em que o homem pode cair; não os
envergonha nem despreza, mas ama-os, ajuda-os, consola-os e cura-os. Sente uma
alegria celestial, mas que levará para o túmulo. Oh! almas remidas com o Sangue
de Jesus Cristo, por amor de Deus, não consintais por mais tempo sobre vós o
jugo deste demônio mudo, se é que tendes feito confissões sacrílegas. Mas
também não vos lanceis no desespero como Judas. Vinde, antes como Pedro e
Madalena lançar-vos aos pés de Jesus Cristo, vosso doce Salvador, que vos
chama, vos espera e vos receberá como ao filho pródigo.
Caríssimos, pedi a Deus luz e
força para que, livres da escravidão do demônio, sejais fiéis a Deus em tudo,
servindo-O e amando-O como filhos queridos e esperando a eterna recompensa na
Pátria do repouso eterno. Amém!
Nenhum comentário:
Postar um comentário