SAUDAÇÕES E BOAS VINDAS

LOUVADO SEJA NOSSO SENHOR JESUS CRISTO! PARA SEMPRE SEJA LOUVADO!

Caríssimos e amados irmãos e irmãs em Nosso Senhor Jesus Cristo! Sêde BEM-VINDOS!!! Através do CATECISMO, das HOMILIAS DOMINICAIS e dos SERMÕES, este blog, com a graça de Deus, tem por objetivo transmitir a DOUTRINA de Nosso Senhor Jesus Cristo. Só Ele tem palavras de vida eterna. Jesus, o Bom Pastor, veio para que Suas ovelhas tenham a vida, e com abundância. Ele é a LUZ: quem O segue não anda nas trevas.

Que Jesus Cristo seja realmente para todos vós: O CAMINHO, A VERDADE, A VIDA, A PAZ E A LUZ! Amém!

sábado, 31 de outubro de 2015

CONFISSÃO: O PROPÓSITO

   Em que consiste o propósito? O propósito consiste numa vontade firme e decidida de nunca mais pecar e de empregar todos os meios necessários para evitar o pecado.

   1 - Qualidades de um bom propósito. O propósito para ser bom deve ser: 
   a) UNIVERSAL: quer dizer que o propósito deve abranger todos os pecados mortais com a vontade de os evitar;
   2 - FIRME E EFICAZ:  entende-se que é necessário ter vontade decidida a não cometer, por motivo nenhum, o pecado mortal, e empregar todos os meios de evitar os pecados, fugindo das ocasiões perigosas, combatendo os maus hábitos, etc.
   Por maus hábitos entende-se a facilidade e forte inclinação que se experimenta de cair em certos pecados a que estamos acostumados. Para corrigi-los é preciso estar vigilante, fazer muita oração, frequentar a confissão e a comunhão e por em prática os meios e os remédios que nos propõe o confessor.
   Ocasiões perigosas de pecar são quaisquer circunstâncias que de sua natureza ou por fragilidade nossa, nos induzem e excitam a cometer o pecado.

   Um dia, Jesus foi ao Templo de Jerusalém e veio muito povo para ouvir a pregação. Jesus sentou-se a ensinar. Vieram uns fariseus, trazendo uma pobre mulher. Os fariseus disseram: Senhor, nós encontramos esta mulher a cometer adultério. A lei de Moisés manda apedrejar aqueles que cometem tal pecado. Que dizeis vós? Os fariseus perguntaram isto, para depois poder falar contra o Senhor. Jesus a princípio não respondeu nada. Virou-lhes as costas e escreveu no chão. Esta mulher tinha cometido um pecado muito grave, mas estava arrependida por medo dos castigos de Deus e não se desculpava, confessando assim o seu pecado a Jesus. A mulher tinha vontade de não pecar mais. Estes fariseus tinham cometido o mesmo pecado e talvez com mais gravidade. Jesus lhes tinha dito isto uma vez. Mas eles não tinham arrependimento, nem confessavam o seu pecado; até diziam que não tinham pecado nenhum. Os fariseus não tinham vontade de deixar de pecar: até neste momento estavam pecando, pois queriam contradizer e caluniar Jesus. Nosso Senhor via tudo isto no coração perverso destes homens. Por isso lhes virou as costas e não respondeu. Mas eles continuaram a perguntar se a deviam matar ou não. Então Jesus respondeu: "Aquele entre vós que não tem pecado atire a primeira pedra". Os fariseus ficaram com medo que Jesus contasse os seus pecados a todo o povo, e retiraram-se um após outro. E Jesus ficou no meio do povo, só com a pecadora. Então o Senhor perguntou-lhe: "Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou?" - "Ninguém, Senhor" - respondeu ela, tremendo de medo: pois compreendia que Jesus não tinha pecado e receava que Ele lhe atirasse a primeira pedra. Mas o Salvador disse: "Eu também não te condenarei. Vai e não peques mais."
   "E não peques mais", disse o Senhor. Era esta a condição para não ser condenada: devia ter a vontade séria de não pecar mais. A todos os que se vão confessar, o misericordiosíssimo Salvador dá o perdão, mas com a condição de não querer mais pecar.
   Para formar o propósito servem as mesmas considerações que para a contrição, isto é, as considerações dos motivos que temos para temer a justiça de Deus e para amar sua infinita bondade. 

   No ato de contrição dizemos: "... e proponho firmemente, ajudado com o auxílio da vossa divina graça. emendar-me e nunca mais Vos tornar a ofender".

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

CONFISSÃO - A SATISFAÇÃO OU PENITÊNCIA

   I - DEFINIÇÃO: Satisfação é a reparação da ofensa feita a Deus e do prejuízo causado ao próximo.
   a) Reparação da ofensa feita a Deus: Qualquer pecado ofende a Deus, porque sempre é desobediência a Seus mandamentos. É preciso, portanto, que o homem culpado, querendo reconquistar a graça divina, ofereça uma satisfação ou desagravo, proporcionado à gravidade da ofensa. Ora, o homem, já o sabemos, é incapaz de dar compensação adequada. Felizmente, Jesus Cristo, na Cruz, satisfez plenamente à Justiça Divina, pagou a dívida devida por nossos pecados. Mas o homem tem de cooperar na Redenção de Jesus Cristo. 
   b) Reparação do prejuízo causado ao próximo: Nem todos os nossos pecados prejudicam os interesses do próximo. Mas alguns o ferem na sua pessoa, nos seus bens, na sua honra, e, então, há obrigação rigorosa de reparar. 

   II - ESPÉCIES DE SATISFAÇÃO: A satisfação pode ser: SACRAMENTAL E EXTRA-SACRAMENTAL. 
   a) Satisfação sacramental é a penitência que o padre impõe, antes da absolvição, e que o penitente promete cumprir. A essa hora basta no penitente a vontade de satisfazer, mas assim é parte ESSENCIAL do sacramento, que, portanto, ficaria inválido se faltasse esta vontade. Aliás a falta desta vontade de satisfação pelos pecados, seria sinal de falta de arrependimento.Quem está arrependido, aceita a penitência de bom grado.  Agora, o CUMPRIMENTO da penitência é só parte integrante do sacramento. Quem omitisse a penitência - por esquecimento ou descuido, tornaria o sacramento incompleto, mas não inválido. 

   b) Satisfação extra-sacramental é a que praticamos por nossa própria iniciativa, com a finalidade de melhor desgravarmos a Deus por nossos pecados. 

   III - MODO E TEMPO DE CUMPRIR A PENITÊNCIA.
   A penitência deve ser feita pelo próprio penitente. Não pode delegar outro, a não ser que o confessor dê a isso sua aprovação, como pode acontecer por exemplo em caso de esmolas. Há de cumprir-se inteira e com devoção.
   Se o confessor marcou o tempo, em que deve ser cumprida, o penitente deve fazê-la neste tempo. Caso contrário, deverá cumpri-la quanto antes e procurar fazê-la em estado de graça.
   Quando o penitente se esquece da penitência imposta, deve dizê-lo ao confessor, na confissão seguinte, e pedir-lhe outra.

   IV - RAZÃO DA PENITÊNCIA.
    Por que se impõe esta penitência? Porque ordinariamente , depois da absolvição sacramental, que perdoa a culpa e a pena eterna, fica a PENA TEMPORAL, que se há de sofrer neste mundo ou no purgatório.
   O Sacramento da Confissão, diferentemente do Batismo, não perdoa a pena temporal devida pelo pecado. Deus assim o quis, a fim de que a obrigação da satisfazer pelas nossas faltas nos sirva de freio para não recairmos. Além disso, os pecados cometidos depois do Batismo são muito mais graves, porque foram cometidos com mais perfeito conhecimento, e maior ingratidão aos benefícios de Deus. 

   V - PENITÊNCIA EXTRA-SACRAMENTAL.
   A penitência que nos dá o confessor nem sempre é suficiente para satisfazer a pena que resta, devida aos pecados. Por isso é necessário supri-la com outras penitências voluntárias. 
   As obras de penitência podem reduzir-se a três: a oração, o jejum, a esmola.
   Por oração entende-se aqui qualquer espécie de exercícios de piedade.
   Por jejum entendem-se quaisquer mortificações.
   Por esmola entende-se qualquer obra de misericórdia corporal ou espiritual.
   Contudo, a penitência que nos dá o confessor é mais meritória do que a que fazemos por nossa escolha. 
   

terça-feira, 27 de outubro de 2015

OS PERIGOS DO RELATIVISMO DOGMÁTICO

   Excerto da Encíclica "Humani Generis" de Pio XII.

   "No que se refere à teologia, alguns pretendem reduzir, quanto podem, o significado do dogma e libertar este do modo de exprimir-se, já desde muito usado na Igreja, e dos conceitos filosóficos em vigor entre os doutores católicos, para voltar, na exposição da doutrina católica, às expressões da Sagrada Escritura e dos Santos Padres. Assim esperam eles que o dogma, despojado dos elementos que dizem extrínsecos à revelação divina, possa ser proveitosamente comparado com as opiniões dogmáticas daqueles que se separam da Igreja e deste modo se possa chegar pouco a pouco à assimilação mútua do dogma católico e das opiniões dos dissidentes. Além disso, reduzida a estes termos a doutrina católica, pensam eles que desembaraçam o caminho para, com a satisfação dada às necessidades do mundo hodierno, poder exprimir o dogma com as categorias da filosofia, quer sejam do imanentismo, quer sejam do idealismo quer sejam do existencialismo ou de qualquer outro sistema. E alguns mais audazes sustentam que isso se pode fazer e se deve fazer, porque os mistérios da fé, afirmam os tais, não se podem exprimir por meio de conceitos adequadamente verdadeiros, mas somente por meio de conceitos aproximativos e sempre mutáveis, através dos quais a verdade se manifesta , sim, mas ao mesmo tempo necessariamente se deforma. Daí que não creem absurdo mas absolutamente necessário que a teologia, segundo as várias filosofias de que se sirva como de instrumentos no decurso dos tempos, substitua as noções antigas por outras novas e assim, de maneiras diversas, e até sob certos aspectos contrárias, mas - como dizem - equivalentes, traduza em linguagem humana as mesmas verdades divinas. Acrescentam que a história dos dogmas consiste em apresentar as várias formas sucessivas de que se revestiu a verdade revelada, segundo as diversas doutrinas e opiniões que no volver dos séculos foram aparacendo. 

  É claro, do que dissemos, que essas tendências não somente levam ao relativismo dogmático, mas de fato já o contêm. Relativismo esse que é por demais favorecido pelo desprezo que mostram para com a doutrina tradicional e para com os termos em que ele se exprime. Todos sabem que as expressões desses conceitos, usados tanto no ensino das aulas como no mesmo Magistério da Igreja, podem ser melhoradas e aperfeiçoados; é por outra parte bem sabido que a Igreja nem sempre usou constantemente determinadas expressões; é evidente também que a Igreja não pode estar ligada a um qualquer efêmero sistema filosófico; mas tais noções e tais expressões que com geral consenso foram através dos séculos encontradas e formuladas pelos doutores católicos para chegar a algum maior conhecimento e inteligência do dogma, sem dúvida que não se apoiam em um fundamento tão caduco. Apoiam-se, sim, em princípios e noções deduzidas de um verdadeiro conhecimento das coisas criadas; e na dedução de tais noções, a verdade, revelada como estrela, iluminou por meio da Igreja a inteligência humana. Portanto não é de maravilhar que algumas dessas noções tenham sido usadas em Concílios Ecumênicos, e que deles tenham recebido tal sanção que a ninguém é lícito afastar-se delas.

   Por esses motivos, ter em pouco caso ou rejeitar ou privar do seu justo valor conceitos e expressões que foram encontradas e aperfeiçoadas para exprimir com exatidão as verdades da fé, por pessoas de inteligência e santidade nada vulgares, num trabalho muita vez plurissecular, sob a vigilância do Magistério da Igreja, e não sem uma ilustração e direção do Espírito Santo, e querer agora substituí-las por noções hipotéticas e por certas expressões flutuantes e vagas da nova filosofia, que à semelhança da flor dos campos hoje verdeja e amanhã já secou, é por certo uma grandíssima imprudência. Seria reduzir o dogma à condição de cana agitada pelo vento. O desprezo dos termos e das noções usadas pelos teólogos escolásticos por si mesmo conduz ao enfraquecimento da teologia denominada especulativa, que tais inovadores julgam, por se apoiar em razões teológicas, desprovida de verdadeira certeza. 

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Página da História do Concílio Vaticano II - COLEGIALIDADE

COLEGIALIDADE


   (...) Mons. Staffa e os chefes do Coetus Internationalis Patrum tiveram notícia de que seus modi (=correções, observações,sugestões) tinham sido rejeitados pela subcomissão da colegialidade, ao passo que outros, que eram julgados "menos importantes", tinham sido incorporados ao texto. Mons. Staffa escreveu então ao Papa uma longa carta datada de 7 de novembro de 1964; cópias desta carta foram enviadas a doze membros particularmente ativos, que pessoalmente as transmitiram a doze Padres Conciliares pedindo-lhes para ler e assinar o documento. Este plano foi batizado de "Operação Staffa". 

   Tendo, porém, corrido a notícia de que o relatório da Comissão de Teologia sobre a revisão do esquema já estava na gráfica, teve que ser suspensa a coleta de assinaturas. Na carta enviada ao Papa, esclarecia-se que todos os que a tinham subscrito estavam convencidos de que o esquema expunha uma forma extrema de colegialidade e que eles se sentiam obrigados, em consciência, a votar Non placet. Mons. Staffa dizia que os Moderadores lhe tinham recusado ilegalmente de exercer o direito de usar a palavra. 

   Logo que recebeu a carta, o Sumo Pontífice a transmitiu à Comissão de Teologia, para que tomasse conhecimento das opiniões teológicas aí expostas, e determinou a abertura de um inquérito sobre a violação das regras de procedimento alegada por Mons. Staffa, bem como sobre vários outros casos. 

   Enquanto isto, 35 cardeais e os superiores gerais de cinco grandes ordens religiosas tinham escrito ao Papa afirmando que, aparentemente apresentando o ponto de vista liberal moderado, na realidade o texto era ambíguo e corria o perigo de ser, após o Concílio, interpretado sob o ponto de vista liberal extremo. 

   O Papa teve dificuldade de acreditar em tal coisa, e na resposta que mandou ao Cardeal cujo nome figurava em primeiro lugar na carta refutou os argumentos apresentados. Com isto, o Cardeal foi procurar o Papa em nome dos outros membros do grupo, e lhe apresentou as razões de suas dúvidas. O Papa não deu prosseguimento às diligências.

   O Cardeal sugeriu então que fosse permitido aos teólogos de seu grupo discutir a questão, em presença do Papa, com seus teólogos pessoais, mas o Sumo Pontífice não aceitou. Pediu contudo ao Cardeal que dissesse os nomes dos teólogos de seu grupo e logo que ele citou três nomes, o Papa não escondeu seu espanto, pois tratava-se de teólogos muito conhecidos e por quem ele tinha grande apreço. Mais uma vez ele não tomou qualquer medida, e se contentou em recordar que o texto sobre a colegialidade tinha sido aprovado pela maioria requerida. "Antes de votar", disse, "os Padres Conciliares não podiam ter deixado de estudar de modo bastante profundo a questão, nem de se preparar pela oração." Desculpando-se, o Cardeal declarou que não podia se associar inteiramente àquele modo de ver. Mas o Papa não agiu, tão grande era a confiança que depositava na Comissão de Teologia.

   Foi então que um dos liberais extremistas cometeu o erro de fazer referência por escrito a algumas das passagens ambíguas e de esclarecer como seriam interpretadas após o Concílio. O documento caiu nas mãos do grupo de cardeais e superiores maiores de que acabamos de falar, e seu representante foi levá-lo ao Sumo Pontífice. Compreendendo então que tinham se aproveitado dele, Paulo VI caiu em si e chorou. 

   Qual seria o remédio? (...) Esta foi a origem da "Nota Explicativa Prévia" - Nota Explicativa Preliminar - publicada como apêndice ao esquema. (...)

   (...) (A ambiguidade, que agora fora afastada, tinha sido apontada desde a segunda sessão pelo Cardeal Ottaviani, na ocasião em que ele tinha feito tão vigorosa oposição à redação de quatro pontos submetidos à votação pelos Cardeais Moderadores, em 30 de outubro de 1963. 

   N.B. 1ª - Uma Nota prévia ou preliminar colocada como apêndice (!!!). Os Padres liberais devem ter considerado esta Nota Explicativa Prévia um nariz de cera e que deveria ser colocado não na cara, mas na nuca. 
       2ª - Pela História do Concilio Vaticano II e sobretudo pelos frutos do mesmo, podemos concluir que teriam sido necessárias não uma mas inúmeras Notas Explicativas neste Concílio. Imaginem se os mais de 2000 Padres Conciliares Liberais tivessem dado a mancada providencial que deu aquele Cardeal que pela sua sinceridade (querida ou não, só Deus o sabe) provocou o choro e a Nota Explicativa Prévia do Papa Paulo VI.


Página da História do Concílio Vaticano II

   "Quando no começo da segunda sessão, Paulo VI recebeu em audiência os observadores e convidados, o Cardeal Bea pôde anunciar que o número deles passara de 49 para 66, e o de igrejas ou comunidades representadas, de 17 para 22.

   O observador da Federação Luterana Mundial, Dr. Kristen Skydsgaard, dirigiu-se ao Papa em francês, em nome de todos os observadores e convidados presentes, e falou 'De sua profunda gratidão pela renovação do convite para a segunda sessão do Concílio." ... "Nós estamos juntos, acrescentou, no começo de um caminho cujo termo só Deus conhece".

   Em resposta, o Papa exprimiu "seu desejo de receber os observadores e convidados não só dentro de sua casa, mas no próprio coração de sua intimidade" Depois de lhes agradecer por terem aceito o convite para assistir à segunda sessão, prosseguiu: "Ficai certos de nosso respeito, de nossa estima e de nosso desejo de manter convosco, em Nosso Senhor, as melhores relações possíveis. Nossa atitude não esconde nenhuma armadilha, não cede a nenhuma intenção de dissimular as dificuldades em prol de um acordo completo e definitivo; ela não receia a delicadeza da discussão, nem o sofrimento da espera". Quanto ao histórico da separação, ele preferia concentrar sua atenção "não sobre o que foi, mas sobre o que deve ser. Nós nos voltamos, disse, para uma novidade a engendrar, um sonho a realizar".

   No dia seguinte, 18 de outubro, o Cardeal Bea ofereceu uma recepção aos observadores e convidados. Dirigindo-se a eles em francês, solicitou-lhes críticas, recordando-lhes as palavras que o Sumo Pontífice pronunciara diante da Cúria Romana algumas semanas antes: "Devemos acolher com humildade, reflexão, e mesmo com reconhecimento, as críticas que nos são feitas; Roma não precisa se defender; não deve permanecer surda às sugestões que lhe vêm de vozes honestas, e muito menos quando estas vozes são de amigos e de irmãos". O Cardeal garantiu aos observadores e convidados que seria dada a maior atenção às suas críticas positivas, suas sugestões e desejos.

   O Arcipreste Vitali Borovoï, observador-delegado da Igreja Ortodoxa Russa e da Igreja Ortodoxa da Geórgia .... "Estamos sempre prontos, disse, a ajudar nossos irmãos católicos romanos em tudo que possa concorrer para a reaproximação e para a união entre todos os cristãos, para que possamos, a uma só voz e com um só coração, glorificar juntos o Espírito Santo". (...)

   O chefe da delegação anglicana, o Bispo  Ripon (John Moorman) teve a cortesia de me expor seu ponto de vista pessoal sobre o primado e a colegialidade: "A Igreja Católica Romana ganharia muita força, se o princípio da colegialidade dos bispos fosse aceito, e se chegasse a um sistema que permitisse a bispos representantes do mundo inteiro constituir com o Papa um concílio permanente". Para ele, isto constituiria "uma melhora com relação ao atual sistema em vigor de uma Cúria de expressiva maioria italiana". 

   Os observadores-delegados e os convidados mostraram particular interesse pelo esquema sobre o ecumenismo, que foi tratado na 69ª Congregação Geral, em 18 de novembro. (...)

   Mons. Morcillo González, Arcebispo de Saragoça, disse que uma das admiráveis qualidades do esquema era seu "tom positivo", resultante da redução do número de advertências e do total desaparecimento das condenações que tinham caracterizado os documentos precedentes sobre o assunto. Não seria conveniente, sublinhou ele, que a Igreja Católica, "recusasse aceitar a colaboração oferecida atualmente por nossos irmãos separados com vistas a resolver esta questão tão importante". 

   O Cardeal de Arriba y Castro, Arcebispo de Tarragona, disse que podia ser muito perigoso "para nossa fé de católicos, sobretudo para aqueles de condição modesta, que frequentemente não estão preparados para responder aos argumentos apresentados pelos especialistas de diversas seitas e confissões", incentivar o diálogo como ele achava que o esquema fazia. Disse que existiam inúmeras provas de que o proselitismo protestante estava crescendo. Em consequência, pediu aos Padres Conciliares "para incluírem no esquema um pedido dirigido aos irmãos separados para que se abstenham de todo proselitismo entre os católicos, por medo de que a fé de nossos fiéis se obscureça pela confusão". [Este não foi aplaudido].

N.B. Creio ser interessante notar os que foram aplaudidos e os que não foram aplaudidos no CVII. 

Página da História do Concilio Vaticano II - COLEGIALIDADE

    "Mons. D'Souza, Arcebispo de Bhopal, criticou os Cardeais Browne e Ottaviani por raciocinar como se a votação indicativa de 30 de outubro 'fosse nula ou inexistente porque a colegialidade ainda não tinha sido definida juridicamente(...) O bem comum da Igreja, continuou o Arcebispo, seria grandemente servido 'se uma forma de Senado, por assim dizer, se constituísse de bispos de diversos países, e pudesse governar a Igreja com o Sumo Pontífice'. Mas seria ainda mais desejável, 'que, de um lado se restringisse o poder da Cúria Romana, e de outro lado os bispos recebessem, para o desempenho de seu ofício, todas as faculdades que lhes pertencem por direito comum e por direito divino'. A Sé apostólica, acrescentou, 'conservaria o direito de reservar para si os casos que o bem da Igreja Universal pede que ela retenha'. Esta intervenção foi longamente aplaudida. (...) 

   Eu (ou seja, o autor Padre Ralph Wiltgen S.V.D.) tinha uma entrevista com o Cardeal Ottaviani na casa dele, para esclarecer um assunto. Entrando no recinto, ele se sentou e depois, com um ar preocupado e ausente, me disse: 'Estou saindo de uma reunião da Comissão de Teologia. As coisas estão ficando ruins; os franceses e os alemães conseguiram unir todo o mundo contra nós (...)'

   Dez dias após o embate Frings-Ottaviani, ao qual a imprensa deu grande destaque, fui abordado por Mons. Romoli, Bispo dominicano de Pescia, que passara oito anos no Santo Ofício. Ele me perguntou se eu tinha interesse em uma informação para o Divine Word News Service sobre o relatório do procedimento de condenação seguido pelo Santo Ofício. Tinha informado sua intenção ao Cardeal Ottaviani, que ficara de acordo. Eu (Padre Ralph) lhe garanti que publicaria a informação com prazer.

   Perguntando-lhe se era verdade que o tribunal supremo da Igreja condenava um acusado sem o ter ouvido previamente, Mons. Romoli me respondeu: 'É preciso distinguir. Se um membro da Igreja acusa outro de um crime de competência do Santo Ofício, o acusado é sempre ouvido, e tem toda possibilidade de se defender. Ele pode ter a assistência de um advogado aprovado pelo tribunal. As precauções tomadas para salvaguardar o acusado neste caso são tão grandes e minuciosas que poderiam talvez parecer excessivas'.

   Mas, observou, é completamente diferente no caso de condenação de obras publicadas, 'pois aí se trata de teorias que, consideradas em si mesmas, trazem o risco de prejudicar a integridade da doutrina de Igreja e a salvação das almas'. Nestes casos, acrescentou, 'quando a ortodoxia da doutrina católica não é claramente exposta, ou é posta em questão, o Santo Ofício não ouve sempre a parte interessada antes de pronunciar o veredicto'. Neste gênero de condenação, disse ele, não são as intenções do autor que são postas em questão ou condenadas; o tribunal leva em consideração apenas suas teorias consideradas em si mesmas.

   Perguntado se não seria mais humano questionar um autor antes de lhe condenar os escritos, Mons. Romoli respondeu que isto seria perfeitamente possível no caso de um manuscrito ainda não publicado. 'Mas, uma vez difundidas as doutrinas erradas ou falsas, para que serviria um tal interrogatório?' Em nada mudaria quanto à influência exercida pela obra publicada sobre o mundo católico. 'Antes de condenar uma obra publicada ou de difundir um solene Monitum a seu respeito, o Santo Ofício leva a efeito uma longa investigação séria e escrupulosa, consultando especialistas altamente qualificados pertencentes a grupos linguísticos e nacionais diversos, para que seu julgamento seja incontestavelmente objetivo e certo. Acontece que estas investigações duram vários anos, tão grande é a delicadeza com que o Santo Ofício trata esta matéria'.  

Página da História do Concilio Vaticano II - ( 14ª página)

   "Na mente de numerosos Padres Conciliares, o objetivo do II Concílio do Vaticano era contrapor-se à doutrina do primeiro sobre o primado papal, expondo de modo mais explícito a doutrina da colegialidade episcopal. (...) A colegialidade devia estabelecer o direito dos bispos de regê-la [a Igreja] em união com o Papa. (...) Entre os partidários da Aliança Européia, alguns teólogos sustentavam que o Papa tinha a obrigação de consciência de consultar o Colégio de Bispos quando tivesse que tratar de assuntos importantes. Mas nem todos os Padres Conciliares tinham esta opinião. (...).

   A votação que se realizou em 30 de outubro constituiu uma nova vitória para os liberais. Mons. Wright, Bispo de Pittsburg, nos Estados Unidos, membro liberal da Comissão de Teologia, disse que esta votação era da maior importância, pois provava que a maioria esmagadora dos Padres Conciliares 'era partidária das tendências do Concilio sobre esta grave questão'. Ele não dava nenhuma importância aos 408 votos negativos que se tinham pronunciado contra a colegialidade. (...).

  ... O Cardeal Frings pediu que os dois aspectos - administrativo e judiciário - da prática da Cúria Romana tivessem clara distinção. 'A mesma distinção igualmente deve ser aplicada ao Santo Ofício', prosseguiu ele. 'Em frequentes casos, seus métodos não correspondiam mais às condições modernas, e o resultado é que muitos ficam escandalizados'. A tarefa de conservar a Fé era extremamente difícil, continuou o Cardeal, mas, mesmo no Santo Ofício, 'ninguém deveria ser julgado e condenado sem ser ouvido e sem ter a possibilidade de corrigir a própria obra ou ação'. O Cardeal foi aplaudido repetidas vezes.

   O Cardeal Ottaviani, secretário do Santo Ofício, inscrevera-se naquele dia na lista dos oradores. 'Eu me sinto obrigado a protestar energicamente contra o que acaba de ser dito contra o Santo Ofício, cujo Prefeito é o Soberano Pontífice. As palavras que acabam de ser pronunciadas provam uma grande ignorância - por respeito, abstenho-me de empregar outro termo - sobre o modo de proceder do Santo Ofício'. Ele esclareceu que os especialistas das universidades católicas de Roma eram sempre solicitados a examinar cuidadosamente os casos, de modo que os cardeais que constituem a Congregação do Santo Ofício pudessem julgar com conhecimento de causa. Em seguida, tais resoluções eram submetidas à aprovação do Sumo Pontífice.

   Quanto à votação de 30 de outubro, ela somente tinha dado 'uma indicação da opinião dos Padres Conciliares'. Era de se lastimar, prosseguiu, que os pontos propostos pelos quatro Moderadores não tivessem sido previamente submetidos à Comissão de Teologia, que era competente na matéria, já que se tratava de dogma. Tais pontos continham expressões equívocas que deviam ter sido esclarecidas. Por exemplo: o que se dizia da colegialidade presumia a existência do Colégio Apostólico, do qual o Colégio de Bispos deveria ser sucessor. 'Há neste ponto, disse o Cardeal, confusão sobre a natureza da sucessão apostólica. É certo que os bispos são sucessores dos Apóstolos, mas eles não sucedem ao Colégio dos Apóstolos como Colégio, pela simples razão de que o Colégio dos Apóstolos, ao menos no sentido jurídico, não existia como tal'. Houve entre os Apóstolos um único exemplo de colegialidade, o do Concílio de Jerusalém: ninguém punha em dúvida que aí os Apóstolos agiram colegiadamente, 'exatamente como hoje ninguém duvida que os bispos, reunidos em Concílio, ajam colegiadamente com e sob o Papa'. As palavras de Cristo: 'Apascenta meus cordeiros' só foram dirigidas apenas a seu vigário e 'daí se conclui que quem quer ser contado no número dos cordeiros de Cristo deve estar submetido ao pastor universal designado por Cristo'. Ninguém pode ser exceção a esta regra: 'nem mesmos os bispos'. 

domingo, 11 de outubro de 2015

Que é a Tradição?

Extraído do capítulo XVII da "CARTA ABERTA AOS CATÓLICOS PERPLEXOS" escrita por D. Marcel Lefebvre em 4 de julho de 1984.

   "Parece-me que, com frequência, a palavra é imperfeitamente compreendida: comparam-na às tradições como existem nas profissões, nas famílias, na vida civil: o buquê fixado sobre a cumeeira da casa quando se coloca a última telha, a fita que se corta para inaugurar um monumento, etc. Não é disto que eu falo; a Tradição, não são os costumes legados pelo passado e conservados por fidelidade a este, mesmo na ausência de razões claras. A Tradição se define como o depósito da Fé transmitido pelo magistério de século em século. Este depósito é aquele que nos deu a Revelação, isto é, a palavra de Deus confiada aos Apóstolos e cuja transmissão é assegurada por seus sucessores.

   Ora atualmente, se quer pôr todo o mundo em pesquisa "como se o Credo não nos tivesse sido dado, como se Nosso Senhor não tivesse vindo trazer a Verdade, uma vez por todas. Que se pretende encontrar com toda esta pesquisa? Os católicos a quem se quer impor "reconsiderações", após se lhes ter feito "esvaziar suas certezas", devem lembrar-se do seguinte: o depósito da Revelação terminou no dia da morte do último Apóstolo. Acabou, não se pode mais nele tocar até a consumação dos séculos. A Revelação é irreformável. O Concílio I do Vaticano relembrou-o explicitamente: "a doutrina de fé que Deus revelou não foi proposta às inteligências como uma invenção filosófica que elas tivessem que aperfeiçoar, mas foi confiada como um depósito divino à Esposa de Jesus Cristo (Igreja) para ser por Ela fielmente conservada e infalivelmente interpretada".

   Mas, dir-se-á, o dogma que fez Maria a mãe de Deus não remonta senão ao ano de 431, o da transubstanciação a 1215, a infalibilidade pontifícia a 1870 e assim por diante. Não houve aí uma evolução? De modo nenhum. Os dogmas definidos no curso das idades estavam contidos na Revelação, a Igreja simplesmente os explicitou. Quando o Papa Pio XII definiu, em 1950, o dogma da Assunção, ele disse precisamente que esta verdade da transladação ao céu da Virgem Maria com seu corpo se encontrava no depósito da Revelação, que ela existia já nos textos que nos foram revelados antes da morte do último Apóstolo. Não se pode trazer nada de novo neste domínio, não se pode acrescentar um só dogma, mas exprimir os que existem duma maneira sempre mais clara, mais bela e mais grandiosa.

   Isto é tão certo que constitui a regra a seguir para julgar os erros que se nos propõem quotidianamente e para rejeitá-los sem nenhuma concessão. Bossuet o escreveu com energia: "Quando se trata de explicar os princípios da moral cristã e os dogmas essenciais da Igreja, tudo o que não aparece na tradição de todos os séculos e especialmente na Antiguidade, é por isso mesmo não somente suspeito mas mau e condenável; e é o principal fundamento sobre o qual todos os santos Padres (da Igreja) e os papas mais que os outros, condenaram falsas doutrinas, não havendo nada de mais odioso à Igreja romana que as novidades".

   O argumento que se faz valer aos fiéis aterrorizados é este: "Vós vos agarrais ao passado, sois passadistas, vivei com vosso tempo!" Alguns desconcertados, não sabem o que responder; ora, a réplica é fácil: aqui não há nem passado nem presente, nem futuro, a Verdade é de todos os tempos, ela é eterna.

   Para difamar a Tradição, opõe-se-lhe a Sagrada Escritura, à maneira protestante, afirmando que o Evangelho é o único livro que conta. Mas a Tradição é anterior ao Evangelho! Se bem que os Sinópticos tenham sido escritos bem menos tardiamente do que se tenta fazer crer, antes que os Quatro tivessem terminado a sua redação, passaram-se vários anos; ora a Igreja já existia, tinha havido Pentecostes, acarretando numerosas conversões, três mil no mesmo dia, ao sair do Cenáculo. Em que acreditaram eles naquele momento? Como se fez a transmissão da Revelação a não ser por tradição oral? Não se poderia subordinar a Tradição aos Livros Santos e com mais forte razão recusá-la.

   Mas não creiamos que, fazendo isto, eles tenham um respeito ilimitado pelo texto inspirado. Eles (os progressistas) contestam mesmo que ele o seja na sua totalidade: "O que há de inspirado no Evangelho? Somente as verdades que são necessárias à nossa salvação.". Por conseguinte os milagres, os relatos da infância, os acontecimentos e atos de Nosso Senhor são remetidos ao gênero biográfico mais ou menos lendário. No Concílio Vaticano II discutiu-se sobre esta frase: "Apenas as verdades necessárias à salvação"; havia bispos que queriam reduzir a autenticidade histórica dos evangelhos, o que mostra a que ponto o clero estava gangrenado pelo neo-modernismo. Os católicos não se devem deixar iludir: todo o Evangelho é inspirado; os que o escreveram tinham realmente sua inteligência sob a influência do Espírito Santo, de tal sorte que a totalidade é a palavra de Deus. Verbum Dei. Não é permitido escolher e dizer hoje: "Nós tomamos tal parte, nós não queremos tal outra. "Escolher é ser herético, segundo a etimologia grega da palavra.

   Não é menos verdade que é a Tradição que nos transmite o Evangelho, e pertence à Tradição, ao Magistério, explicar-nos o que há no Evangelho. Se não temos ninguém para no-lo interpretar, podemos ser muitos a compreender dum modo inteiramente oposto a mesma palavra de Cristo. Desemboca-se então no livre exame dos protestantes e na livre inspiração de todo este carismatismo atual que nos lança na pura aventura.

   Todos os concílios dogmáticos nos deram a expressão exata da Tradição, a expressão exata do que os Apóstolos ensinaram. E irreformável. Não se podem mais mudar os decretos do Concílio de Trento, porque eles são infalíveis, escritos e baixados por um ato oficial da Igreja. à diferença do Vaticano II cujas proposições não são infalíveis, porque os papas não quiseram comprometer sua infalibilidade. Ninguém então vos pode dizer: "Vós vos agarrais ao passado, permanecestes no Concílio de Trento". Porque o Concílio de Trento não é o passado! A Tradição se reveste dum caráter intemporal, adaptado a todos os tempos e a todos os lugares. 

   

domingo, 4 de outubro de 2015

OS IDEAIS DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS ( 1 )

   Todos sabemos que a meditação da vida de São Francisco de Assis constitui um verdadeiro banho de humildade e de desprendimento dos bens terrestres; e mais do que isto: um banho de amor às humilhações e à efetiva santa pobreza. São Francisco não procurou forjar um  Evangelho ao "modus vivendi" da época. Procurou vivê-lo na sua genuinidade íntegra. Em outras palavras, esforçou-se por fazer de Jesus Cristo o centro de sua vida. Foi assim que logrou com a graça de Deus, ser uma cópia do próprio Nosso Senhor Jesus Cristo. Não dissera o Divino Mestre: "Sede perfeitos como Vosso Pai do Céu é perfeito"? Jesus Cristo é, na verdade, a causa eficiente e também exemplar de toda santidade. Imitando-O, chega-se, o quanto é possível a mera criatura, à perfeição de Deus. 

   Francisco, na juventude, mesmo antes do que ele próprio chama "sua conversão", distinguiu-se por três qualidades: pureza de costumes, desprezo pelos bens puramente materiais e espírito cavaleiresco.

   Pureza de costumes:  "Ele era, diz Tomás Celano, naturalmente e por força de uma generosa resolução, cortês nos modos e na linguagem. Ninguém lhe ouviu jamais uma palavra ofensiva ou vergonhosa. Por muito alegre e brincalhão que fosse, propusera-se nunca responder a gracejos pouco delicados. Por isso o tinham em alta estima na província, e muitos dos que o conheciam asseveravam que ele viria a ser um dia um grande homem". (Thom. Cel., II, n. 3). Dizem os seus biógrafos que em nenhuma parte se encontra , neste período da sua existência, indício de que qualquer falta haja perturbado a sua consciência.

   Desprezo pelas riquezas: "Era, diz Celano, o primeiro nos jogos, nas facécias e anedotas, nas conversas fúteis e cantilenas, no vestir roupas cômodas e largas, muito rico, nada avarento, antes pródigo, longe de entesourar, dissipava a sua fortuna; muito prudente, quando tratava dos negócios, fora deles distribuía a mancheias o dinheiro" (Thom. Cel. I, n. 2). Mostrava-se gastador consigo e com os seus amigos, com os pobres e os necessitados. (Tres Socii, n. 2).

  Alma verdadeiramente cavaleiresca: Bem cavaleirosa era a inclinação que impelia insistentemente o jovem Francisco para as expedições militares, em que é necessário empregar violentos esforços e até expor-se a ferimentos e à morte. Tinha cerca de vinte anos quando tomou parte na terrível guerra que estalou entre Assis e Perúgia; aí foi feito prisioneiro, com muitos dos seus companheiros de armas. Durante o ano que lhes durou o cativeiro, venceu a todos em coragem cavaleirosa. Não perdeu por um momento o seu bom humor, e até se ria, a gosto da sua enxovia e dos seus ferros. Sempre conseguiu, como é próprio de um amável cavaleiro, levantar o moral dos prisioneiros, fazer voltar à ordem os espíritos turbulentos e dirimir as questões que entre eles se desencadeavam. 

  A "conversão" de Francisco vai ser preparada por Deus através de uma doença de mais de um mês, que lhe alquebrará ao mesmo tempo o corpo e a alma. Nosso Senhor Jesus Cristo vai tirar do coração de Francisco seu apego às alegrias do mundo, e vai transformar, no ideal de Francisco, a cavalaria terrestre em cavalaria espiritual, assim como bem mais tarde irá fazê-lo com Inácio de Loiola.
   Depois desta doença, quando entrou em convalescença - provavelmente aos 23 anos de idade - e, apoiado a uma bengala, saiu de casa pela primeira vez, o mundo tinha perdido para ele todo o encanto de outrora. Percebeu que uma grande mudança se operara nele. Admirava-se desta mudança de coisas, e, desde que recobrou as forças, tentou esquivar-se à mão divina. Assaltado de projetos terrenos, pôs-se a caminho para a Apúlia, à cata de aventuras. E, quanto mais avançava, mais pensativo se tornava. Chegado que foi a Espoleto, deu-lhe Deus ordem de regressar a Assis, onde lhe seria indicado o que teria a fazer. Era tão formal a ordem divina, que Francisco tomou imediatamente o caminho da cidade natal. (Cf. Tres Socii, n. 6). Mal chega a casa, já os amigos o impelem à organização de uma de suas festas. A princípio hesitou, mas depois acabou aceitando o convite. Após o festim magnífico, espalhou-se o alegre bando, a cantar como tantas vezes o fizera antes, pelas ruas de Assis. Francisco, empunhando o cetro de rei da festa, ia a certa distância, silencioso e recolhido. De repente, recebe a visita de Deus: tal doçura invade sua alma que, insensível às coisas exteriores, detém-se sem voz, sem movimentos. (Cf. Tres Socii, n. 7). A partir desta hora, mostrou-se mais meditativo e mais interior. Logo se sentiu tomado de tédio, não só por si como também por tudo quanto amara até então. É evidente que isso não se deu senão aos poucos, uma vez que não se achava ainda de todo libertado das vaidades do mundo. Mas ia fugindo cada vez mais ao tumulto dos negócios, procurava o comércio de Deus e dirigia-se todos os dias para uma gruta solitária, fora da cidade, arrebatado por uma força irresistível e acalentado por uma divina suavidade. Experimentava, no entanto, indizíveis sofrimentos e projetos tumultuavam-lhe no espírito e aí levantavam tempestades. Examinava-os, para depois os aprovar ou rejeitar. Ardendo em fervor e em santas resoluções para o futuro, consumia-se em aflições pela sua vida passada. Que devia renunciar inteiramente ao mundo e empenhar-se, sem reservas no serviço de Deus, isso o sabia ele muito bem, mas era tudo.

 No próximo post, falaremos de sua "conversão".


OS IDEAIS DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS ( 2 )

   "Um dia, escreve Tomás Celano, - estava Francisco então com os seus vinte cinco anos - depois de haver implorado com plena confiança a misericórdia de Deus, mostrou-lhe o Senhor o que tinha a fazer. Foi tão grande a sua alegria, que não pôde conservar ocultos por mais tempo os sentimentos do seu coração. Não falava, entretanto, da sua felicidade, senão de um modo enigmático, de modo que o povo dizia: "Sonha com um precioso tesouro que espera descobrir ou pensa então em casar-se". E, de ordinário, respondia ele: "Sim, mas aquela com quem me casarei é tão nobre, tão rica e bela, que não há igual no mundo". "E, de fato, - nota Celano - a Ordem que ele funfou é a esposa imaculada de Deus e o reino do céu é esse precioso tesouro que ele tão ardentemente procurou. Efetivamente, era necessário que atendesse plenamente à vocação evangélica aquele que devia ser ministro do Evangelho na fé e na verdade". Vamos ouvir o próprio Francisco no começo de seu Testamento:

   "O Senhor me deu a mim, Frei Francisco, a graça de começar assim a fazer penitência: estava em pecados e me parecia muito amargo ver leprosos; e o próprio Senhor me levou ao meio deles, e eu usei de misericórdia para com eles. E, quando me retirei de sua presença, o que me tinha parecido amargo, mudou-se para mim em doçura da alma e do corpo.

    E depois, pouco demorei e saí do século. E o Senhor me deu uma tão grande fé nas igrejas, que chegava a adorar assim com simplicidade e dizia: "Nós vos adoramos, Santíssimo Senhor Jesus Cristo, aqui e em todas as vossas igrejas que se erguem por todo o mundo, e nós vos bendizemos, por haverdes remido o mundo com a vossa santa cruz".

   Em seguida, o Senhor me deu e me dá ainda uma tão grande fé nos padres que vivem consoante a Santa Igreja Romana, por causa do seu caráter, que, se eles me perseguissem, seria a eles mesmos que eu desejaria recorrer. 

   E depois que o Senhor me deu Irmãos, ninguém me mostrou o que devia fazer e o Altíssimo me revelou que eu devia viver conforme o Santo Evangelho. E assim o mandei escrever em poucas palavras e simplesmente, e o senhor Papa mo confirmou". 

   COMO NASCEU A ORDEM FRANCISCANA: Era em 24 de Fevereiro de 1209. Francisco assistia, na Porciúncula, ao santo sacrifício da Missa. Ao Evangelho ouviu ler as palavras que Nosso Senhor dirigira aos Apóstolos, mandando-os pregar. Depois da Missa, foi pedir explicação ao celebrante, e este lha deu ponto por ponto. Quando Francisco soube que o discípulo de Cristo não devia possuir ouro, nem prata, nem qualquer moeda; nem levar em viagem alforje, nem bolsa, nem bastão; nem ter sapatos, nem duas túnicas; mas pregar o reino de Deus e a penitência, exultou em espírito e exclamou: "Eis aí está o que eu quero! Eis o que procuro e desejo fazer, de todo o meu coração". e naquele mesmo instante se descalça, joga fora o bastão que trazia, substitui por uma corda o cinto de couro e faz uma roupa de pano grosseiro sobre a qual cose uma cruz. Com a mesma ligeireza e o mesmo respeito, pôs em prática todos os conselhos que ouvira durante a Missa. "Porque não era daqueles que ficam surdos aos conselhos evangélicos; mas, confiando à sua memória tudo o que aprendera, esforça-se por cumpri-lo à risca". (T. Celano e São Boaventura). 
   Algumas semanas mais tarde, juntaram-se-lhes os primeiros companheiros. Francisco abriu, ao acaso, por três vezes, o Livro Santo, e, de cada vez, lhe caiu debaixo dos olhos a passagem referente à missão dos Apóstolos. Viu neste fato uma indicação providencial, e, voltando-se para os discípulos, disse-lhes: "Meus irmãos, eis aí com será a nossa vida e a nossa Regra; como será também a vida e a Regra de todos aqueles que, para o futuro, se quiserem juntar a nós. Ide, pois, e fazei como acabais de ouvir". Era em 16 de Abril de 1209. Nesse dia, nasceu a Ordem Franciscana. 
   

OS IDEAIS DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS ( 3 )

  O ideal de São Francisco de Assis no atinente a Santíssima Eucaristia, podemos ver pela carta que escreveu aos Clérigos. Ei-la:

    "Consideremos todos nós clérigos o grande pecado e ignorância que alguns manifestam com relação ao Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo e seu santíssimo nome e palavras escritas que tornam santamente presente o Corpo (de Cristo). Sabemos que o Corpo não pode estar presente se antes não for tornado presente pela palavra. Pois nada temos nem vemos corporalmente dele, do próprio Altíssimo, neste mundo, senão o Corpo e Sangue, os nomes e as palavras pela quais fomos criados e remidos da morte para a vida. 

   Logo, todos aqueles que administram tão sacrossantos mistérios e especialmente aqueles que os ministram sem a reta discrição, considerem no seu íntimo como são vulgares os cálices, corporais e panos de linho sobre as quais é oferecido em sacrifício em lugares bem comuns e o levam de modo lamentável (pela rua) e o recebem indignamente e o ministram indiscriminadamente. Igualmente os seus nomes e palavras escritas são às vezes calcadas aos pés; pois "o homem animal não percebe as coisas de Deus" (1Cor. 2, 14).

   Não excitam porventura tais fatos a nossa piedade e devoção por esse bom Senhor quando se digna de vir colocar-se ele próprio em nossas mãos e nós o tocamos e o recebemos todos os dias em nossa boca? Ou ignoramos que um dia havemos de cair em suas mãos?

   Emendemo-nos pois depressa e firmemente dessas e de outras faltas. Onde quer que o Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo for conservado de modo inconveniente ou simplesmente deixado em alguma parte, que o tirem dali para colocá-lo e encerrá-lo num lugar RICAMENTE ADORNADO.(Destaque meu).  De modo igual sejam recolhidos e colocados em lugar decente os nomes e palavras escritas do Senhor sempre que forem encontradas em lugares imundos. Sabemos perfeitamente que estamos estritamente obrigados a observar tudo isto, em virtude dos mandamentos do Senhor e dos preceitos da santa Mãe Igreja; e os que o não fazem saibam que deverão prestar contas perante Nosso Senhor Jesus Cristo no dia do Juízo. 

   E os que mandarem copiar esta carta a fim de que seja mais amplamente observada saibam que serão abençoados por Deus, Nosso Senhor.