S. Mateus XXII, 34-46
"Amar o próximo
como a nós mesmos"
Caríssimos e amados irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo!
Sabemos que os mandamentos de Deus são dez. E todos os
problemas das sociedades estariam resolvidos se as leis de Deus fossem
cumpridas. Os três primeiros, que se referem a Deus, encerram-se nesta fórmula:
Amar a Deus sobre todas as coisas. Isto significa a vontade de amar a Deus, não
em grau infinito, mas sobre todas as coisas, de preferência a tudo o que Lhe
seja contrário. Os outros sete mandamentos se reduzem ao amor do próximo, mas a
um amor sincero e eficaz. Nosso Senhor Jesus Cristo diz que o amor do próximo é
semelhante ao amor de Deus, no sentido que a caridade é uma virtude única que
tem dois aspectos: Deus e o próximo por amor de Deus. Devemos notar que a
Lei manda amar o próximo por amor de
Deus.
Na explicação do evangelho do 12º domingo depois de
Pentecostes já tivemos ensejo de fazer algumas reflexões sobre o amor de Deus e
do próximo (S. Luc. X, 23-34). Vamos nos deter mais um pouco sobre o amor do
próximo considerando este detalhe: COMO A NÓS MESMOS.
Nosso amor tem três objetos: Deus, o próximo e nós mesmos.
Jesus Cristo manda-nos amar a Deus e ao próximo. É óbvio que Jesus supõe que
naturalmente e sem sermos para isto compelidos, nos portemos de tal modo que
cumpramos este dever para conosco. Com efeito, o amor de si é essencial ao
homem; ele faz parte de sua natureza e é inseparável de seu ser. A Providência
divina colocou em nós este sentimento precioso para nos fazer tender à
felicidade a que Deus nos destinou. Não podemos nem deturpar nem destruir este
sentimento.
Santo Agostinho observa que, embora Jesus não fale da
obrigação do amor a nós mesmos, Ele, no entanto, não o omite; supõe-no, porque
ordena que amemos o próximo como a nós mesmos. Mas este sentimento do amor a
nós mesmos tem necessidade de ser dirigido, e, às vezes, até reprimido, raramente
tem necessidade de ser estimulado. Temos a tendência de nos amarmos além dos
limites em detrimento do amor que devemos aos outros. É justamente este amor
fora dos limites que S. Paulo condena: "A
caridade não busca [somente] os seus próprios interesses" (1 Cor.
XIII, 5). Não nos é mandado que sintamos pela totalidade de nossos irmãos, o que nós sentimos
por nos mesmos. Amar o próximo como a nós mesmos, é tratá-lo como nós desejamos
que os outros nos tratem; fazer ao próximo o que desejamos que nos façam, e não
fazer o que não desejamos que nos façam. Por exemplo: desejamos ser felizes, e
assim a linguagem humana estigmatiza com o nome de EGOÍSMO. É evidente, porém, que Jesus prescreve uma
igualdade não de sentimentos, mas de deveres. Eis o conselho que o velho Tobias deu ao seu filho
Tobias: "Acautela-te, não faças
nunca a outro o que não quererias que outro te fizesse". O mesmo
ensinou o Divino Mestre: "Assim,
tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-o também vós a eles; esta
é a lei e os profetas" (S. Mateus VII, 12).
Devemos observar, outrossim, que esta igualdade de dever não
é de tal modo absoluta que não sofra modificação. Não há circunstâncias em que
o amor a nós mesmos deva ser exclusivo; mas pode haver casos em que ele seja
preponderante. Na impossibilidade de procurar o bem próprio e o do próximo,
deve o amor de si prevalecer. Em se tratando de bens temporais, podemos dar a
nós mesmos a preferência; e, em se tratando de bens espirituais, temos o dever.
Por mais sagrado que seja o dever de fazer bem a nossos irmãos, o de nossa
salvação eterna é-lhe superior, porque é para nos salvar que devemos fazer bem
ao próximo. A mesma lei que nos ordena trabalhar em sua salvação, nos
proíbe trabalhar em prejuízo da nossa.
Quando se trata de bens temporais, em caso de conflito dos
nossos interesses com os de outrem, se,
de ordinário, podemos preferir os nossos, há, no entanto, casos em que por
dever de estado e em virtude dum contrato tácito ou formal entre nós e a
sociedade, nós somos obrigados a nos sacrificarmos em prol dos nossos irmãos e
a procurarmos seu bem temporal às expensas do nosso. Estes casos não são raros,
por exemplo, na vida do militar, do médico, do magistrado e do padre. E esta
obrigação é bem mais grave ainda quando se trata de lhes procurar a salvação
eterna, como é o caso do padre. Quantas vezes, nós padres nos expomos a
contrair uma doença contagiosa na administração dos últimos sacramentos?!
É mister também no exercício da caridade fraterna distinguir
duas espécies de deveres, uns interiores, outros exteriores. Podem haver
motivos legítimos que dispensem destes últimos, mas jamais haverá razão que
impeça de cumprir os primeiros. Exemplifiquemos: você é pobre e, por
conseguinte, não podes dar esmola. Você está enfermo, por isso mesmo estás
dispensado de prestar serviços mais pesados. Mas os deveres interiores são
sempre praticáveis. Se alguém não pode fazer bem a seus irmãos, pode e deve ao
menos desejar-lhes o bem. Se alguém não pode prestar ajuda material aos seus
irmãos, pode, ao menos, ajudá-los com suas orações.
Amar o próximo efetivamente e em verdade e não só de boca,
mas na medida de nossas possibilidades e enquanto o permitem nossos recursos.
"Meus filhinhos não amemos de
palavra e com a língua, mas por obra e em verdade" (1 João III, 18). Aqui está o lado positivo da
máxima do Divino Mestre: "Assim,
tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles". Dar
de comer a quem tem fome, de beber a quem tem sede, visitar e consolar os
doentes e aflitos, dar vestes boas aos maltrapilhos, cobertas aos que estão
passando frio etc.
Vejamos agora o lado negativo: "Não fazer a outrem o
que não gostaríamos que os outros nos fizessem". Daí, ficam aqui proibidas
todas as maldades: a inveja, a ira, a discórdia, a dissensão, as querelas, as inimizades etc. São enfim as
obras da carne enumeradas por S. Paulo
na sua Epístola aos Gálatas V, 19-21. E o Apóstolo após a enumeração
destas obras que vêm da carne, termina com esta terrível advertência: "Os que as praticam, não possuirão o
reino de Deus".
Meditemos, outrossim, nestas outras palavras do Apóstolo dos
gentios: "Rogo-vos, pois, eu, o
prisioneiro no Senhor, que andeis de um modo digno da vocação a que fostes
chamados, com toda a humildade e mansidão, com paciência, suportando-vos uns
aos outros por caridade, solícitos em conservar a unidade do espírito pelo
vínculo da paz. Há um só corpo e um só Espírito, como também vós fostes
chamados a uma só esperança pela vossa vocação. Há um só Senhor, uma só fé, um
só batismo. Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, e atua por
todas as coisas e reside em todos nós" (Efésios IV, 1-6). Somo todos
irmãos, por natureza, de Adão e por adoção, de Deus. Assim, como os primeiros
cristãos, todos deveriam viver realmente como irmãos, como se em todos batesse
um só coração e os animasse uma só alma. Nosso divino Salvador deseja que todos
nós cumpramos o seu mandamento novo: "Amai-vos
uns aos outros como Eu vos amei". Amém!
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