Esta invocação é do pregador sacro, D. Duarte Leopoldo e Silva, que fora Arcebispo de São Paulo.
"Resta-nos, porém, a sua imagem veneranda e venerável. Resta-nos o crucifixo - dádiva preciosa do seu amor, já agora para sempre fixado no vértice das igrejas ou na sala nobre das famílias que não se pejam das suas ignomínias. Resta-nos o crucifixo pompeado, glorificado, no cimo dos tabernáculos, ou banhado de lágrimas ardentes na penumbra de um confessionário. Resta-nos o crucifixo à cabeceira do enfermo que sofre porque não vive, ou no cinto da religiosa que sofre porque não morre. Resta-nos o crucifixo nas mãos do missionário, rasgando-lhe caminho para a pátria celestial, e no peito do soldado, guiando-o intimorato para os triunfos da pátria desafrontada de estranhos atrevimentos.
Na grande avançada para o céu, sem ele, sem o sinal da cruz, não sabe a Igreja dar um passo, iniciar uma única cerimônia, esboçar uma bênção sequer.
Ó meu crucifixo! Pobre e humilde, banhado das minhas lágrimas na amorável penumbra de uma cela, como brilhas tu, iluminando-nos a vida e a morte, o sofrimento e o prazer, a terra e o céu, o tempo e a eternidade!
Catecismo de ignorantes, Suma Teológica para sábios, tu és luminoso, todo invadido da presença de Deus. Tua voz me instrui com o calor de uma chama e com a doçura de uma unção - repreende e consola, fortalece e santifica. Melhor que os livros santos, tu me dizes a que extremos inatingíveis levaste o teu amor por mim, por mim pessoalmente, como se eu só - e mais ninguém - fora o objeto do teu amor - amor imolado, amor sacrificado, amor crucificado.
Levei-te aos lábios, cheguei-te ao coração. E ouvi, uma por uma, impressas em tuas chagas, todas as palavras dos livros sagrados. E cada palavra que te caiu dos lábios me foi direta ao coração como um dardo de fogo, desse fogo do Espírito Santo que, desde o meu batismo, permanece latente em minha alma pecadora. E eu disse: também eu te amo, também eu quero amar-te de todas as minhas forças. Tu me ensinas como e até quando ser-me-á preciso amar o meu próximo. "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei" - me dizes tu. Mandamento difícil e humilhante. Se se tratasse de fazer bem aos que fizeram bem - fácil e deleitoso me seria o cumprir a tua vontade, pois ela encontraria eco dentro em meu próprio coração. Mas, tu queres que eu perdoe aos que me fizeram mal, não somente que lhes perdoe, mas que os ame ainda como tu mesmo nos amaste. E eu vi as tuas chagas, contemplei-te as mãos e os pés traspassados de duros cravos, a cabeça coroada de espinhos, os braços abertos em atitude de perdão. E eu disse e repito, inteiramente rendido aos argumentos do teu amor: sim, ó meu Jesus, perdoo-lhes por amor de ti, perdoo-lhes porque mais gravemente tenho te ofendido que eles a mim.
Tu me dizes ainda que o amor de Deus e do próximo nos faz viver, e que o amor de nós mesmos nos faz morrer. Ó meu Jesus, faze que eu te ame bastante, e que não me ame tanto! Ensina-me a dominar as rebeldias da minha natureza, a crucificar as minhas paixões por amor de Jesus crucificado. Ensina-me a prática da humildade, da vigilância e da oração, para que em ti e por ti, me fortaleça no obediência à tua santa lei.
Como és belo e consolador, ó meu crucifixo! Se me mostrasses tão-somente a grandeza dos meus pecados, eu seria esmagado ao peso da minha dor; mas tu me abres o céu como prêmio e recompensa da paixão de Jesus. Agora que te conheço e te amo - já não temo os castigos da tua justiça, mas os castigos do teu amor, e porque os temo e porque te quero, deixa que me banhe no sangue do teu coração. Mas eis que o dia já declina sempre mais, lentamente... lentamente... As sombras da montanha obscurecem-me o caminho e já não vejo para onde me conduzem os passos incertos e vacilantes. É a tarde, é a noite, é a velhice, é a morte que se aproxima. Ah! eu tenho medo! Mas fica comigo, o meu amado crucifixo! Companheiro inseparável de todos os dias, faze-me companhia até o termo da longa e perigosa caminhada. Tu me falarás de Deus, tu me falarás da vida que se finda e da eternidade que se avizinha. Tu me falarás dos meus pecados e da misericórdia de Jesus.
Cansados, já os meus olhos te não podem fitar; enregelados, na agonia derradeira, já os meus braços não conseguem chegar-te à altura dos meus lábios. Mas os meus dedos crispados pela morte te sentem ainda e o meu coração, se não a boca, pode ao menos balbuciar: Meu Jesus, meu Redentor, eu te amo, eu creio em ti. Nas tuas mãos entrego o meu coração, a minha alma, a minha vida a minha eternidade. In manus tuas, Domine, commendo spiritum meum".
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