"Então um dos anciãos, tomando a palavra, disse-me: Estes
que estão revestidos de vestimentas brancas, quem são? e donde vieram?
Respondi-lhe: Meu Senhor, tu o sabes. E ele disse-me: estes são aqueles que
vieram da grande tribulação, lavaram os seus vestidos e os embranqueceram no
sangue do Cordeiro" (Apocalipse VII, 13 e 14).
Deus o sumo Bem, criou o homem para ser feliz, já neste mundo.
E de onde vêm os sofrimentos? A dor é filha do pecado. A finalidade, pois, dos
sofrimentos é primeiramente reparar a honra divina ultrajada pelo pecado, e,
portanto é uma punição. Tem, outrossim, como finalidade, destruir as
consequentes corrupções que vieram do pecado. Na verdade, só fora introduzida a dor no mundo, em seguida ao
pecado. O pecado desmoronou toda a ordem da natureza. Agora, as rosas que tanto
nos encantam, estão cercadas de espinhos, aptos a ferir quem as quiser colher.
Aqui, caríssimos, sob o termo "SOFRIMENTOS", queremos incluir também os interiores que,
por vezes, ficam ocultos no mais íntimo da alma, mas não menos pungentes que os
exteriores, e até mais do que estes! Pois bem, o fogo da dor visa igualmente
punir o pecado e, ao mesmo tempo, depurar a alma dessas impurezas. Deus quer
consumir em nós o que Lhe ofende a pureza do olhar, e, sobre as cinzas dos
nossos defeitos, fazer germinar belas virtudes. "Contraria contrariis curantur": os nossos defeitos serão
curados pelas virtudes contrárias a eles. A sensualidade será destruída pela
dor física; a avareza, pela perda ou diminuição dos bens; o orgulho, pelos
desprezos, pelas críticas, ou até pelas calúnias; o egoísmo, pelo abandono,
pela indiferença do próximo etc.. Assim, naturalmente, a dor é terrivelmente
pungente e viva nas almas cheias ainda de imperfeições. Quanto às almas já mais
purificadas e livres de apegos terrenos, e, consequentemente cheias de amor de
Deus, estão bem dispostas a tudo aceitar de suas mãos paternais aquilo que
outrora lhes fazia sofrer. Não quero dizer que não sofram tais almas, mas que
nelas a dor é geralmente suscitada por causas mais nobres e assim sofrem pelas
ofensas feitas a Deus. Demais, a esses sofrimentos une-se uma paz cheia de
doçura, uma resignação total que alivia, que torna amáveis as próprias dores.
Já que em Deus a Justiça e a Misericórdia se osculam e ambas
andam de perto, depois do pecado, a dor não é somente fruto da Justiça divina,
mas também de sua misericórdia: Deus, enviando a dor aos homens, se esses souberem
aproveitar, podem dela auferir
inapreciáveis vantagens. Vamos, pois, com a graça de Deus, considerar aqui os
grandes benefícios dos sofrimentos:
1º - Desprender nosso coração da terra, dirigi-lo ao Céu e torná-lo
apto a receber a graça divina:
Sem o sofrimento preparado pela Providência, ninguém seria
bastante corajoso para aplicar a si mesmo o ferro e o fogo que suprimem e
consomem os apegos imperfeitos, as afeições puramente naturais, esses inúmeros
laços que encadeiam as almas, impedindo-as de voar para as alturas da perfeição
que leva ao Céu. Assim, o Divino Espírito Santo, através de cruzes e
tribulações procura desprender nosso coração da terra, dirigi-lo ao Céu, e
torná-lo apto a receber a graça divina. Deus, que é infinitamente bondoso, está
sempre disposto a derramar com profusão Suas graças entre os homens, as quais
são semelhantes a um líquido sumamente precioso. Deus tem um reservatório
inesgotável em que conserva suas graças e bênçãos: é a sua infinita
liberalidade. Nossos corações são como vasilhas nas quais Deus deseja derramar
as torrentes de suas graças. Podemos, comparando, dizer que três são as classes
de pessoas que se aproximam de Deus no intuito de receber em seus corações o
líquido preciosíssimo de suas graças: as primeiras vão a Nosso Senhor com o
coração verdadeiramente desprendido, ou seja, vazio de todas as coisas
terrenas. Deus, então, enche estes corações de Suas graças. Outras pessoas
apresentam corações quem têm uma boa vontade, mas entulhados de afetos e apegos
ao mundo, isto é, com vaidade, vanglória, comodidade, caprichos e vontade
própria. Tais corações não possuem senão pequeno espaço para receber e conservar
a graça divina. Deus só pode derramar neles muito pouco. Finalmente, a terceira
espécie de pessoas são aqueles que apresentam a Deus o coração cheio
inteiramente das coisas deste mundo, completamente mundanizado e terreno. Tais
pessoas nada podem receber. Jesus quer comunicar-lhes Suas graças, mas não há
lugar para Ele no albergue de seus corações.
2º - Servem para nossa santificação, devem ser meios para nos unir mais
intimamente a Deus:
3º - As cruzes e os sofrimentos nos garantem um grau elevado na eterna
glória:
São João Evangelista escreve no Apocalipse que um dia viu o
céu aberto e, contemplando os bem-aventurados, chamou-lhe a atenção uma
multidão que se distinguia entre os demais, por sua beleza e glória. "Então um dos anciãos falou e me disse:
quem são estes que estão trajados de vestes alvas? e donde vieram? Eu lhe
respondi: Senhor meu, tu o sabes. E volveu-me: Estes são os que vieram de uma
grande tribulação, e lavaram as suas vestes e as puseram alvas com o Sangue do
Cordeiro" (Apoc. VII, 13 e 14). Eis a glória e recompensa dos
sofrimentos suportados com paciência. Todas as vezes que aceitamos sem revolta
uma cruz, por amor de Jesus, oferecemos um sacrifício a Deus; e todo sacrifício
feito em estado de graça santificante aumenta também essa graça. Ora, quanto
maior, for em nós a graça santificante, tanto maior também a glória eterna no
Céu. Portanto, toda cruz que alegremente abraçamos e suportamos em união com o
divino Salvador aumenta a nossa glória celeste.
Caríssimos, quando as ondas revoltosas de um mar de
sofrimentos nos assaltarem, para onde devemos correr? Para diante de Jesus
Crucificado, e, melhor ainda, do Sacrário. O amorosíssimo Salvador ou vos
tirará a cruz ou, o que muito melhor, fortalecerá os vossos fracos ombros, para
que possam carregá-la com alegria e amor. Na verdade, a cruz é a nossa
esperança porque será a chave de ouro que nos abrirá as portas do Céu.
"Na cruz está a salvação; na cruz, a vida; na cruz,
amparo contra os inimigos; na cruz, a abundância da divina suavidade; na cruz,
a fortaleza da alma; na cruz, o gozo do coração; na cruz, o compêndio das
virtudes; na cruz, a perfeição e santidade" (Livro da Imitação de Cristo).
Não poderia terminar este artigo sobre o sofrimento sem
salientar um detalhe importantíssimo: a dor é a pedra de toque das virtudes. A
provação ilumina a alma sincera, desvenda-lhe o mal oculto nas dobras de seu
coração. Faz mais, porém, que revelar o mal, ataca-o, contanto que saibamos
tirar proveito de sua ação benfazeja. A dor, humilhando-nos, torna-nos melhores.
Faz-nos sentir mais vivamente nossa incapacidade e nosso nada. Quantas vezes a
dor aproximou de Deus homens que a prosperidade d'Ele afastara? Abençoado o
sofrimento que leva o filho pródigo ao lar paterno! E as almas já fervorosas
são ainda mais santificadas pelos sofrimentos. No sofrimento, a fé se ilumina,
a esperança se torna ardente e inabalável, o amor se fortifica e se dilata. E
muitas outras virtudes acompanham estas três virtudes teologais: a paciência, a
renúncia, a suavidade etc..
Senhor Jesus Crucificado, fazei que eu leve a cruz de boa
vontade para que ela possa me conduzir ao termo desejado que é a Pátria do
Repouso Eterno! Amém!
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