"Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz
e siga-me" (S. Mateus XVI, 26).
"Certamente, nem
a todos é dada a possibilidade, nem todos têm a obrigação de fazer o mesmo; mas
cada um é obrigado, segundo o seu poder, a mortificar a sua vida e os seus
costumes. Exige-o a justiça divina, à qual é dada estrita satisfação das culpas
cometidas; e é preferível dar essa satisfação enquanto se está em vida, com
penitências voluntárias, porque assim também se tem o mérito da virtude. Além
disto, já que nós todos estamos unidos e vivemos no corpo místico de Cristo,
que é a Igreja, daí se segue, consoante S. Paulo, que, tal como os gozos, assim
também as dores de um membro são comuns a todos os outros membros: quer dizer
que os irmãos cristãos devem vir voluntariamente em auxílio dos outros irmãos
nas suas enfermidades espirituais ou corporais, e, na medida em que estiver em
seu poder, cuidar da cura deles; "os
membros tenham a mesma solicitude uns com os outros; e, se um membro sofre,
sofrem com ele todos os membros; ou, se tem glória um membro, todos os membros
se regozijam com ele. Ora, vós sois corpo de Cristo, e particularmente sois
membros deste" (1 Cor. 12, 25-27). Nesta prova que a caridade nos
pede, de expiarmos as culpas de outrem, a exemplo de Jesus Cristo, que com
imenso amor deu a sua vida para redimir todos do pecado, está este grande
vínculo de perfeição que une estreitamente os fiéis entre si, com os Santos e
com Deus. Em suma, o espírito da santa mortificação é tão vário, industrioso e
extenso, que qualquer um - desde que animado de piedade e de boa
vontade - pode praticá-lo com muita freqüência e sem
esforço excessivo" (Leão XIII, Octobri Mense).
Caríssimos, amar a Deus sobre
todas as coisas, de todo coração, com todas as forças, eis o grande mandamento.
No Céu O amaremos naturalmente, necessariamente, infinitamente. Igual coisa não
se dá na terra. No estado atual da natureza decaída, é impossível amar a Deus
com amor verdadeiro e efetivo, sem esforço, sem sacrifício. É o que resulta das
tendências da natureza corrupta que permanece no homem, mesmo regenerado pelo
batismo. Não podemos amar a Deus sem combater estas tendências. Por isso Nosso
Senhor disse: "Se alguém quer vir
após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me" (S. Mat. XVI,
26). Seguir a Jesus Cristo é amá-Lo, e a condição de O seguir e amar é
renunciar a si mesmo, isto é, as más inclinações da natureza, o que se consegue
pela prática da mortificação. Para obter a graça, para conservá-la e
multiplicá-la, precisamos a cada passo de penitência. Daí a mortificação em si,
dentro de certas condições e em dadas circunstâncias, não é um simples conselho
de perfeição, é, antes, DE PRECEITO, ou seja, é necessária à salvação: "Se não fizerdes penitência, disse
o divino Mestre, todos igualmente
perecereis" (S. Lucas XIII, 5).
O luxo moderno e costumes
efeminados que se alegam muitas vezes em favor de uma diminuição da
mortificação, podem também servir para defender o ponto de vista oposto. Pois,
sendo ofício especial da Igreja dar testemunho contra o mundo, deve este
testemunho consistir em atacar os vícios reinantes da sociedade, e por
conseguinte, deve fazê-lo nestes dias contra a moleza, o culto do conforto e as
extravagâncias do luxo. O mundo, a carne e o demônio permanecem realmente os
mesmos em todos os tempos, e assim também a mortificação corporal presta os mesmos
serviços. A melhor de todas as penitências é receber em espírito de compunção
interior as mortificações que Deus, na sua Sabedoria e na sua amorosa e
paternal Providência, nos envia. Quanto a isso não há a menor dúvida. É mister,
porém, observar o seguinte: sem o generoso hábito das penitências voluntárias
não é muito provável conseguir adquirir este espírito interior de penitência e
portanto tirarmos todo proveito das provações involuntárias que Deus nos manda.
Vamos apresentar dez vantagens da
mortificação:
1ª - Domar o corpo: A
penitência submete as paixões revoltosas ao poder da graça e à parte superior
da nossa vontade. Na verdade, não encontraremos em pessoa alguma a força de
vontade ou a seriedade de espírito, se ela não se esforçar deveras por subjugar
o corpo.
2ª- Criar uma consciência
delicada: isto é, uma sensibilidade de consciência para ver e detestar
o menor pecado que seja. Se não é o único meio, pelo menos a mortificação
constitui um dos principais.
3ª - Obter crédito diante de
Deus: Empresta uma maior força à oração; dá um êxito muito maior nos
esforços para desarraigar algum pecado habitual, vencer as tentações, obviar as
surpresas do gênio e da língua.
4ª - Avivar o nosso amor a Deus: Manifestam
e aumentam o nosso amor. E quando o objeto que amamos e contemplamos é, como
Jesus, um objeto de dor e de sofrimentos, na contemplação da Paixão de Jesus
sentimos um amor maior que nos excita a imitá-lo.
5ª - Desapegar-nos das vaidades
do mundo e inundar-nos com a alegria espiritual: Nada em si é tão
oposto às vaidades do mundo como a mortificação que destrói tudo o que elas
mais prezam e mais amam. A alegria espiritual, é como a enchente da maré, que
entra por onde encontra lugar vazio. A proporção, portanto, que os nossos
corações se desapegam das amizades terrenas, isto é, das afeições que não
constituem para nós um dever, eles se tornam capazes de gozar da doçura de
Deus. As pessoas mortificadas são sempre alegres. O coração se alivia por lhe
ser retirado o fardo do corpo. A penitência junto com a oração bem feita nos
unem a Jesus e, estar com Jesus é um doce paraíso!
6ª - Impedir que abandonemos cedo
demais a Via Purgativa: Na verdade constitui um grande perigo na vida
espiritual querer passar logo para as vias iluminativa e unitiva, abandonando precocemente
a via purgativa em que devem dominar a virtudes da penitência. Na verdade,
muitos se apressam tanto no começo, que ficam sem respiração e abandonam por
completo a corrida. Assemelham-se aos insensatos que correm loucamente para
fugir de sua sombra. A alma ainda ligeiramente fatigada de vigiar a si mesma,
quer já converter o mundo. Assim peca por indiscrição e zelo imprudente.
Fazendo uma comparação: a água transborda a força de ferver e apaga assim o
fogo, isto é, destrói a ação do Espírito Santo pela indiscrição. Verdadeiramente,
conservar-se por mais tempo (não meses mas anos) na região inferior de
purificação, nunca trará prejuízo à alma, mas querer elevar-se com demasiada
rapidez é expor-se a muitos perigos. As nossas paixões são como lobos, fingem
estar mortas. Daí constituir um grande perigo abandonar a mortificação.
7ª - Conceder-nos o dom da oração
mental. Por tudo o que já foi dito acima, temos facilidade em
compreendê-lo: O coração se alivia por lhe ser retirado o fardo do corpo, e aí,
alma, qual, águia tem facilidade em subir às alturas da meditação e da
contemplação.
8ª - Dar à santidade profundeza e
força: Assim como os exercícios de ginástica desenvolvem os músculos e
os robustecem. Isto refere-se ao que foi dito há pouco, de não abandonar cedo
demais a Via Purgativa. Ex.: Simeão Estilita quando primeiro começou a se
sustentar sobra a coluna, ouviu no sono uma voz lhe dizer: levanta-te, cava a
terra. Pareceu-lhe ter cavado algum tempo e depois cessado, quando a voz lhe
disse: cava mais fundo! Quatro vezes cavou, quatro vezes descansou, e quatro
vezes a voz repetiu: cava mais fundo! Depois disse-lhe: Agora constrói
tranquilamente. Pois bem! Este trabalho humilhante de cavar é a mortificação.
Sendo escultor, veio-me uma comparação que compreendo com conhecimento de
causa: o escultor, quando quer trabalhar com madeira, escolhe o cedro. Por que?
primeiro por ser um madeira de lei que não é atacada pelo cupim; segundo é uma
madeira ao mesmo tempo fácil de cortar e firme. Nossa alma deve ser firme pela
penitência, e também humilde, isto é,
fácil de ser talhada pelo divino Artista, Nosso Senhor Jesus Cristo.
9ª - As austeridades corporais
levam a alma a atingir a graça mais alta da mortificação interior: Seria
pura ilusão supor ser possível mortificar o juízo e a vontade, sem mortificar
também o corpo. Na verdade a mortificação interior é mais excelente; a
exterior, no entanto, é mais eficaz.
10ª - A mortificação é uma escola
excelente onde será adquirida a régia virtude da discrição. A discrição
é o hábito de dar exatamente no alvo, e, para acertá-lo, é preciso ter no olhar
uma exatidão e na mão uma firmeza sobrenaturais. A discrição se manifesta na
obediência, na humildade, na falta de confiança em si mesmo, na perseverança e
no desapego das próprias penitências.
Depois de tudo que acabamos de
expor sobre a penitência, facilmente entendemos a afirmação tão categórica de
São João da Cruz: "Se alguém desaprova a penitência, não lhe deis crédito,
ainda que faça milagres".
Caríssimos, o divino Mestre disse:
" O reino dos céus sofre violência e
só os violentos o arrebatarão". Para chegarmos ao céu temos que
combater como bons soldados de Jesus Cristo. E esta luta durará enquanto durar
a vida. A felicidade eterna será um bem laboriosamente conquistado; e isto
constitui, outrossim, a glória dos eleitos e lhes aumenta o gozo, pois amarão a
Deus com maior perfeição. Consola-nos saber que cada vitória é uma conquista;
triunfando de um defeito, adquirimos maior domínio sobre nós mesmos e, quanto
mais fortes formos, mais capazes seremos de fazer o bem.
Através da mortificação, à medida
que a alma progride, as revoltas da natureza, embora nunca desapareçam de todo,
tornam-se menos violentas, e a graça, menos embaraçada, opera com maior poder.
A vitória custa muito menos e entretanto os atos de virtude são mais puros,
mais eficazes; a imaginação permanece mais calma, o apetite irascível mantém-se
em repouso, o espírito não raciocina tanto. Então Deus opera com maior
liberdade. Oh! como serão ricas as almas generosas, no dia da prestação de
contas, quando for dado, e para sempre, a cada um, segundo suas obras! Amém!
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