"Bem-aventurados os que choram... Bem-aventurados sois quando vos
insultarem e vos perseguirem, e disserem falsamente todo mal contra vós por
causa de mim" (S. Mateus V, 5 e 11).
Além da paciência nos sofrimentos, Nosso Senhor Jesus Cristo
quer que os amemos. Quer que tenhamos amor às cruzes, como aliás Ele teve e
ardentíssimo: "Eu tenho de ser
batizado num batismo de sangue; e quão grande é a minha ansiedade, até que ele
se conclua! (S. Luc. XII, 50). Jesus sabia que sua morte seria a vitória
sobre o pecado, o demônio e o mundo. "E
eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim (Dizia isto para
designar de que morte havia de morrer) (S. João XII, 32 e 33).
Inicialmente já devemos deixar claro que se trata de algo na
vida espiritual por poucos compreendido. Alegria nos sofrimentos e amor
verdadeiro às cruzes, na verdade, é um dom que Deus concede às almas generosas.
E para recebê-lo, tiveram que se
preparar, dominando a natureza. Assim, na aquisição deste dom faz-se mister
primeiramente, dominando a natureza, tão ávida de gozos, desenvolver em si um
ardente amor, por meio de uma vida de intima união e de corajosos sacrifícios.
Como diz a Imitação de Cristo, "o desejo de sofrer para assemelhar-se a
Jesus inspira tanta coragem, que a alma não deseja ficar isenta de tribulações
e dores, porque compreende que é tanto mais agradável a Deus, quanto mais sofre
por Ele" (L. II.c. XII, n. 8). A alma, que se preparou e assim recebeu este
dom, pensa mais ao menos assim: "Sofro, mas é por Deus, é por Jesus que
tanto sofreu por mim; reparo minhas faltas, consolo Deus das penas que Lhe
causei. Sofro, portanto amo; e, sofrendo, dou provas de meu amor. Sofro, por
conseguinte meu amor vai se dilatar; na eternidade será sempre maior e eu hei
de amar eternamente e cada vez mais a Deus justamente na medida em que aqui na
terra cada vez mais sofrer por amor a Jesus. Sofro, e sofrendo, estou unida a
Jesus, continuo-lhe a obra, ou, antes, Ele mesmo a continua em mim, essa obra
de dor e de salvação, segundo aquela afirmação do Apóstolo: Completo em minha carne o que falta à Paixão
de Cristo". Sofro, portanto, com Jesus pelas almas; como Ele, por Ele
e com Ele alcançarei para mim e muitíssimos outros pecadores a felicidade
eterna".
Jesus quisera ver, também nos seus seguidores os sentimentos
que animavam o seu Coração. Daí dizer já no início de seu sermão da Montanha: "bem-aventurados os pobres;
bem-aventurados os que choram; bem-aventurados os que são perseguidos; sereis
felizes quando vos insultarem e disserem todo mal contra vós por minha causa.
Regozijai-vos então e alegrai-vos" (S. Mat. V, 10). E os Apóstolos, a
exemplo de seu Mestre, regozijaram-se de terem sido condenados e flagelados
pelo nome de Jesus (Atos V, 41). São Lucas, resumindo toda a pregação de S.
Paulo e S. Barnabé, disse: "Fortaleciam
seus discípulos e mostravam-lhes que é por meio de muitas tribulações que
devemos entrar no reino de Deus" (Atos XIV, 21). Eis o que diz S.
Paulo: "Que sejais confortados com
toda fortaleza pelo seu poder glorioso, para suportar tudo com paciência e
longanimidade e alegria..." (Colossenses I, 11). Igualmente S. Tiago
escreve aos fiéis: "Tomais, irmãos,
por modelo no suportar os males e os trabalhos, e na paciência, os profetas,
que falaram em nome do Senhor. Vede que proclamamos bem-aventurados aqueles que
sofreram" (Tiago V, 10 e 11).
Mesmo nas coisas da terra, nada se faz de belo ou de grande,
sem sofrimento, sem esforço que custa, sem a perseverança que, na verdade, é
uma longa paciência. Nas coisas de Deus, caríssimos, o sofrimento é ainda mais
necessário, e muito mais fecundo, segundo o que Jesus disse aos seus discípulos
depois de lhes profetizar os sofrimentos: "Alegrai-vos,
porque será grande a vossa recompensa no Céu!". O sofrimento aceito de boa vontade por amor a
Jesus Crucificado, triunfa do pecado e do demônio, que reina no mundo pelo
encanto do prazer, mas é vencido pela cruz. Que é o pecado? Na verdade, não é
outra coisa senão o desdém de um dever a cumprir ou a procura de uma satisfação
ilícita. Portanto, a vacina contra o pecado é o sofrimento, as privações, a renúncia de nós mesmos e do que agrada a
nossa natureza. Assim vemos como a Providência divina permite com frequência,
grandes males para tirar bens maiores: guerras que terminam suscitando heroicos
sacrifícios, perseguições (como nos três primeiros séculos da Igreja) para
produzir mártires e santos.
Os sofrimentos, as privações, as cruzes, tornam a alma forte
e viril, enquanto o bem-estar, os triunfos fáceis, o repouso e as doçuras da
vida boêmia a amolecem. A dor purifica a alma e Deus nela se compraz vendo-a
acrisolada pela dor. Concede-lhe, então, uma abundância de graças. O sofrimento
alimenta e mantém o amor. Constata-se que quem pouco sofre, pouco ama. Mas, por outro lado, Deus, que não se deixa
vencer em generosidade, concede doçura às almas que sofrem por amor a Ele.
Dizia São Paulo: "Bendito seja Deus
e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, Pai de misericórdia e Deus de toda a
consolação, o qual nos consola em toda a nossa tribulação, para que também nós
possamos consolar os que estão em qualquer angústia, pelo conforto com que
também nós somos confortados por Deus. Porque, à medida que crescem em nós os
sofrimentos de Cristo, cresce também por Cristo a nossa consolação." (2
Cor. I, 3-5). Davi havia experimentado os mesmos efeitos da ternura divina: "À proporção das muitas dores que
atormentaram o meu coração, tuas consolações (dizia ele a Deus Nosso
Senhor) alegraram-me a alma" (Salmo
93, 19). Vemos como Deus, Pai de Bondade, recompensa as almas generosas. Fá-las
amar a cruz e encontrar sempre uma grande paz, uma felicidade calma e sólida,
e, muitas vezes, alegrias profundas, ali, onde os cristãos pouco generosos para
com Deus, não encontram senão tristezas e desolação. Mesmo quando essas almas
dedicadas estão imersas na dor, não desejariam deixar de sofrer, porque sentem
que assim amam melhor ao Senhor.
Não
poderia terminar este assunto sem antes transcrever algo do que escreveu São
Luiz Grignon de Montfort em sua admirável "CARTA CIRCULAR AOS AMIGOS DA
CRUZ":
NUNCA SE QUEIXAR DAS CRIATURAS
"Nunca vos queixeis
voluntariamente e entre murmurações, das criaturas de que Deus se serve para
vos afligir. Distingui, para tanto, três espécies de queixas nos sofrimentos. -
A primeira é involuntária e natural: é a do corpo que geme, suspira, se queixa,
chora e se lamenta. Quando a alma está resignada com a vontade de Deus, em sua
parte superior, não há nenhum pecado. - A segunda é razoável; é quando
alguém se queixa e descobre seu mal aos que podem e devem tratá-lo, como um
superior ou o médico. Esta queixa pode ser imperfeita, quando for muito
insistente; mas não é pecado.
A terceira é criminosa: é
quando alguém se queixa do próximo para se isentar do mal que ele nos faz
sofrer, ou para se vingar; ou quando alguém se queixa da dor que sofre,
consentindo nessa queixa e juntando a ela a impaciência e a murmuração.
RECEBER SEMPRE A CRUZ COM RECONHECIMENTO
"Nunca recebais nenhum cruz sem beijá-la
humildemente e com reconhecimento; e quando Deus, todo bondade, vos houver
favorecido com alguma cruz um pouco considerável, agradecei-Lhe de maneira
especial e fazei-o agradecer por outros, a exemplo daquela pobre mulher, que,
tendo perdido todos os seus bens em virtude de um processo injusto que lhe
moveram, fez celebrar imediatamente uma Missa, com o dinheiro que lhe restava,
a fim de agradecer a Deus a ventura que lhe era concedida.
CARREGAR CRUZES VOLUNTÁRIAS
"Se quereis tornar-vos dignos de receber as
cruzes que vos hão de vir sem vossa participação e que são as melhores,
carregar outras voluntárias, seguindo os conselhos de um bom diretor.
Por exemplo: Tendes em casa
algum móvel inútil pelo qual tendes afeição? Dai-o aos pobres, dizendo:
quererias o supérfluo quando Jesus é tão pobre?
Tendes horror a algum
alimento? A algum ato de virtude? A algum mau odor? Provai-o, praticai-o,
aspirai-o. Vencei-vos.
Amais alguém ou algum objeto
um pouco terna e insistentemente demais? Ausentai-vos, privai-vos, afastai-vos
do que vos lisonjeia.
Tendes uma natureza muito
inclinada a ver? A agir? A aparecer? A ir a algum lugar? Parai, calai,
escondei-vos, desviai os olhos.
Odiais naturalmente algum
objeto? Alguma pessoa? Procurai-a frequentemente. Dominai-vos.
Se sois verdadeiramente
Amigos da Cruz, o amor, que é sempre industrioso, vos fará assim encontrar mil
pequenas cruzes, com que vos enriquecereis insensivelmente, sem temor da
vaidade, que se mistura tão frequentemente à paciência com que suportamos as
cruzes muito visíveis; e porque fostes assim fiéis em pouca coisa, o Senhor vos
estabelecerá em muito, como o prometeu (Mt. XXI, 21 e 23); isto é, em muitas
graças que vos dará, em muitas cruzes que vos enviará, em muita glória que vos
preparará".
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TU QUE DESCANSO BUSCAS COM CUIDADO,
NESTE MAR DO MUNDO TEMPESTUOSO
NÃO ESPERES DE ACHAR NENHUM REPOUSO,
SENÃO EM CRISTO JESUS CRUCIFICADO.
Camões
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