"Quotidie morior" . Morro todos os dias (1 Cor. XV, 31).
Pela aceitação generosa dos sofrimentos e tribulações, pela
contínua mortificação (= mortem facere) e renúncia da própria vontade,
procurava S. Paulo morrer sempre mais ao velho homem, a fim de se revestir do
homem novo, formado pela santidade. E assim pode dizer: "Eu vivo, mas não
sou eu já o que vive e sim é Cristo que vive em mim". Disse também:
"A minha vida é Cristo". A nossa vida espiritual deve chegar até a
estas alturas sublimes. Mas para tanto faz-se mister a mortificação, ou seja,
devemos lutar sempre contra nós mesmos para chegarmos a uma vitória total sobre
o nosso egoísmo. Podemos então dizer que a mortificação é o lento morrer do
homem velho, para ressurgir daí o homem novo, com uma vida nova, vida segundo o
espírito, vida, enfim, em Deus e para Deus. Na natureza nos deparamos com esta
lei: "da morte brota a vida". A semente que morre na terra, encerra o
germe de novas plantas. E dos resíduos apodrecidos da semente decomposta, sorve
o germe a força de que necessita para se desenvolver, e expandir, deitar
folhas e produzir frutos. Também as
folhas caídas e mortas no solo são ao mesmo tempo adubo e alimento para as
árvores.
Pois bem! Esta lei da natureza refere-se também à vida
espiritual. É o que Jesus Cristo explicou:
"Em verdade, em verdade, vos digo, se o grão de trigo cair na terra e não
morrer, ficará só; mas, quando morrer, dará abundantes frutos" (S.
João XII, 24 ).
Quão importante e necessária é a mortificação, isto é, a
renúncia da própria vontade em coisas espontaneamente escolhidas, nos pequenos
sacrifícios voluntários que fazemos. Assim, a mortificação deve acompanhar-nos
através de toda a nossa vida. Ela é necessária como arma no combate contra o
inimigo da salvação; mas é também necessária como meio de virtude. Já resumimos
em outro post sobre este tema, os efeitos benéficos da mortificação. Mas, em se
tratando de algo indispensável para a santificação, e, tendo em vista o desleixo
em que esta virtude é encarada hoje, talvez mais do que em outros tempos,
mister se faz incutir nas almas os seus abençoados efeitos. É o que aqui
faremos, com a graça de Deus. Os padres, sabendo que seus fiéis levam bem à
serio a vida de oração e de mortificação, podem ficar tranquilos de que os
verão um dia no Paraíso.
Primeiro efeito: A mortificação faz que Deus seja cheio de liberalidade
para conosco.
Se nos mortificamos por amor a Deus em coisas voluntariamente
escolhidas, Deus o recebe como um presente. E Ele nunca se deixa vencer em
generosidade. Os pequenos presentes mas feitos com grande amor a Deus, exercem
grande, irresistível poder sobre o Nosso Pai que está no Céu. Forçado pela
bondade do Seu Coração, abre Nosso Senhor as comportas da Sua liberalidade. Na
verdade, Deus não se cansa de cumular com bênçãos aqueles que se mostram
generosos para com Ele. Sim estes "presentes da mortificação" fazem o
bom Deus liberal. Sumamente agradável aos olhos de Deus é a oração unida aos
sacrifícios.
Segundo efeito: A mortificação merece-nos a graça da oração, isto é, a
graça de orarmos com recolhimento e unidos a Deus.
Talvez estranhe alguém esta seguinte afirmação: ORAR BEM, É
MUI DIFÍCIL. Caríssimos, na verdade, é uma arte que só conseguiremos aprender à
força de grandes sacrifícios. O corpo odeia a atitude forçada que se lhe impõe
na quietação e no recolhimento; o espírito gosta da liberdade sem restrições,
quando o pensamento pode vaguear à vontade. Assim, é necessária a mortificação,
porque, enquanto estes inconvenientes não forem combatidos, não podemos esperar
uma devoção verdadeira na oração. A mortificação acostuma o corpo a guardar os
sentidos debaixo de rigorosa disciplina e a suportar prontamente os incômodos.
Ela habitua também o espírito a dirigir os pensamentos a determinado ponto e
acaba com os devaneios desregrados.
Caríssimos, se os santos souberam orar horas e horas com
grande recolhimento, só conseguiram isto por meio das muitas e grandes
mortificações em que se exercitavam constantemente. Na presença de Santo Inácio
de Loiola referiu alguém que um conhecido servo de Deus era um homem de oração.
O santo respondeu: "Neste caso ele é também homem mortificado, pois sem
isto seria impossível".
Terceiro efeito: A mortificação constante dá-nos grande domínio sobre
nós mesmos.
Em se tratando de coisas materiais constatamos os incríveis
esforços e sacrifícios a que os homens se impõem. Manifestam uma força de
vontade incomum. Desenvolvem uma coragem e renúncia surpreendentes e que até,
por vezes, nos assombram. Por exemplo, imaginai um homem a quem o médico diz
que está irremediavelmente perdido, se não observar rigorosa dieta.
Prescreve-lhe, então, privações muito difíceis. O doente obedece
escrupulosamente. Na verdade é exato em seguir à risca tudo o que o médico
ordenou! E por que? Por causa da vida natural. Outro exemplo: Imaginai um
negociante que tem sede de dinheiro ou um ambicioso que só deseja postos
importantes na política. Que sacrifícios não fazem! Não recuam diante de
qualquer trabalho ou perigo, contanto que consigam os seus intentos.
Infelizmente, quando se trata da vida espiritual, em
conseguir a santidade, ou seja, um tesouro no Céu, tesouro este que o ladrão da
morte não rouba; quando há ocasião de ajuntar imensas riquezas para a
Eternidade, então o homem mostra-se horrivelmente covarde. Acha mil desculpas
para deixar de fazer alguma coisa por amor de Deus. Ora é a saúde fraca, ora o
cansaço e fadiga, às vezes, o receio de outros prejuízos. É a fraqueza nas
coisas espirituais, e para combatê-la energicamente não se tem coragem. Esta
fraqueza é uma das chagas que o pecado nos infligiu. Daí, caríssimos, a
necessidade da mortificação. Quando nos acostumamos a vencer-nos em coisas
pequenas, a vontade torna-se mais forte. Eis a palavra do Livro da Imitação de
Cristo: "Só progredirás na virtude em proporção da violência que fizeres a
ti mesmo" (Será por isso que hoje andam dizendo que este Livro é
complicado!?). Que não fizeram os santos para robustecer a sua vontade! Aproveitavam
toda ocasião para fazer pequenos sacrifícios de renúncia da própria vontade a
fim de ajuntar merecimentos para o céu. E aqui nos lembramos especialmente da
grande Santa Teresinha do Menino Jesus!
Quarto efeito: A mortificação conduz à paz do coração.
Para tanto, a prática da mortificação deve ser assídua. Esta
paz do coração consiste em que os diferentes acontecimentos da vida cotidiana
se aproximem do coração, mas não entrem nele, nem lhe perturbem o equilíbrio. Verdadeiramente,
a paz do coração pressupõe grande domínio sobre si mesmo. Podemos afirmar a
respeito da maior parte dos homens que o
seu comportamento diário é o resultado das diferentes influências que no correr do dia atuam sobre
eles. Quando essas impressões são agradáveis, favoráveis ao amor próprio,
sentimo-nos no céu; estamos de bom humor, brincamos, e uns até pulam de
alegria. Se, porém, essas impressões forem desagradáveis e tristes; se
ofenderem a nossas inclinações prediletas, logo nos invade o interior pesada
tristeza. Neste caso, nem se pode pensar no cumprimento alegre dos próprios
deveres. Tudo é desarmonia. O interior da maior parte dos homens é semelhante a
um mar agitado. Ora estão bem alto, ora na mais rasa apatia; ora entusiasmados
por qualquer coisa, ora frios e insensíveis de tal modo que queriam deixar
tudo. Podemos dizer que por detrás destas disposições interiores não há uma
piedade sincera. Deus não quer habitar num coração onde não reina a paz.
Portanto, só por meio de constantes mortificações poderemos
conseguir que o nosso coração conserve o equilíbrio em todas as circunstâncias.
A serenidade e paz reinante sempre nas almas dos santos vêm dos inúmeros atos
de mortificação. Vamos dar um exemplo: Santo Inácio de Loiola fundara a
Companhia de Jesus e amava-a com todas as veras de sua alma. Perguntaram-lhe um
dia se não ficaria terrivelmente abalado se soubesse que a sua congregação fora
dissolvida. Respondeu o santo: "Se eu tiver quinze minutos para orar,
aceitarei o golpe com toda a calma".
Quinto efeito: A mortificação dispõe nosso coração para receber as
divinas inspirações.
Cada inspiração da parte de Deus encerra sempre um
sacrifício para o homem natural, pois a inspiração atrai para cima, ao passo
que a nossa natureza arrasta para baixo. Quando Deus nos estende a mão, só
poderemos agarrá-la fazendo violência a nós mesmos. Por que Nosso Senhor visita
tão poucas vezes certas almas? Porque elas têm medo de fazer sacrifícios. Pois,
Deus sabe muito bem que vão responder: "Dura é esta linguagem; quem a pode
ouvir?" Falta, portanto, a estas almas a prontidão que, por sua vez, somente
poder-se-á adquirir pela mortificação.
Mas, se por meio dos exercícios diários, fizermos
sacrifícios de boa vontade, por amor a Deus, Ele falará interiormente conosco
para nos ajudar a progredir na vida espiritual. Diremos com o profeta Isaías: "Eis-me aqui; podeis mandar-me". Ou com Davi: "Meu coração está preparado".
Ou enfim com o profeta Samuel: "Falai,
Senhor, porque o vosso servo escuta".
Caríssimos, na verdade, o assíduo exercício da mortificação
faz-nos dóceis e os homens imortificados são surdos às inspirações de Deus.
Deus gosta das almas generosas, como foram os Reis Magos: "Vimos a
estrela" - foi o chamamento da
graça divina - "e viemos", isto é, o ânimo e a coragem de
progredirem, por mais difícil que isso lhes fosse. Já o jovem rico que queria
ser perfeito, não teve a generosidade de abandonar toda sua riqueza e assim
afastou-se triste e deixou de receber a graça insigne de ser apóstolo.
Faltou-lhe coragem para vencer a si mesmo.
Sexto efeito: A mortificação é o melhor meio de aumentar a virtude do
amor de Deus, rainha das virtudes.
Disse o divino Mestre: "Eu
vim trazer fogo à terra; e que quero senão que ele se acenda? (S. Lucas
XII, 49). Este fogo que Jesus queria acender é o fogo do amor de Deus. Ele o
acende pelo Espírito Santo quando recebemos os santos sacramentos. Depende,
porém, de nós, fazermos que este fogo de amor produza sempre mais elevadas
chamas. Isto se consegue por meio de oração e mortificação, especialmente pelos
sacrifícios voluntariamente escolhidos que fazemos por amor de Deus. Cada
mortificação, é como uma acha de lenha que jogamos às labaredas para que o fogo
mais vivamente se acenda.
Ao mesmo tempo são os pequenos sacrifícios um sinal de que
amamos verdadeiramente a Deus, pois o amor não pode ficar inativo. Amor quer
dizer sacrifício. É da sua natureza. Os sacrifícios são realmente, a linguagem
do amor. Assim são eles, duma parte, prova de que amamos a Deus, e, de outra,
um meio para aumentar esse amor. Todas as vezes que oferecemos a Jesus um
sacrifício, dizemos com S. Pedro: "Senhor,
vós conheceis todas as coisas, vós sabeis que Vos amo" (S. João XXI,
17). Lendo a vida dos santos, constatamos que todos procuravam aproveitar todas
as ocasiões para dar a Deus provas de seu amor por meio de sacrifícios
voluntários.
Sétimo efeito: A mortificação é um meio para merecer a bênção divina
sobre os nossos trabalhos.
"Sem efusão de
sangue, não há redenção", diz S. Paulo na sua Epístola aos Hebreus IX,
22. Como a obra da redenção só se efetuou entre indizíveis dores, assim também
só entre penas e mortificações podem ser conseguidos os frutos da mesma. Tudo
deve ser regado com o suor do sacrifício. Todas as obras de Deus devem ser
batizadas com o fogo das provações e só florescem à sombra da árvore da Cruz.
Se os santos conseguiram realizar tão grandes coisas pela salvação das almas,
devemos saber que os grandes sacrifícios e as constantes mortificações foram a
causa principal da bênção de Deus sobre seus trabalhos. Lembrem-se de um
exemplo: Santa Teresa d'Ávila.
Caríssimos, felizes se na hora da morte pudermos olhar para
uma vida mortificada. Com certeza, foi abençoada por Deus. Amém!
Nenhum comentário:
Postar um comentário