A Quaresma é um tempo de reparação e de emenda, consagrado ao recolhimento e à oração, à penitência e às boas obras. A Santa Madre Igreja quer honrar deste modo o retiro e o longo jejum de Jesus Cristo, e preparar-nos para a Páscoa, isto é, para a passagem da morte para a vida, ou de uma vida imperfeita para uma vida mais santa, assim como o divino Mestre se preparou com um retiro de jejum de quarenta dias, para renovar o mundo com a pregação do Evangelho.
Antigamente definia-se a Quaresma como o período dos quarenta dias de jejum que precedem a festa da Páscoa. Isto porque neste santo tempo de penitências, havia a obrigação de jejum em todos os dias, com exceção dos domingos, para imitarmos assim os quarenta dias do jejum de Jesus e nos prepararmos dignamente para a festa da Páscoa. Sabemos que hoje todos estes dias obrigatórios de jejum ficaram reduzidos a apenas dois (Quarta-feira de Cinzas e Sexta-feira Santa).
São Jerônimo afirma que a Quaresma é de tradição apostólica e que este número de quarenta nas Sagradas Escrituras é sempre o da pena e da aflição. E o grande doutor da Igreja cita Ezequiel XXIX.
Lembremo-nos da chuva torrencial de quarenta dias e quarenta noites no dilúvio que submergiu a raça humana sob as vagas, à exceção de oito pessoas, a família de Noé. Consideremos o povo hebreu, errante por quarenta anos no deserto, em castigo de sua ingratidão, antes de poder entrar na terra prometida. Escutemos o Senhor ordenando a seu profeta Ezequiel permanecesse deitado quarenta dias sobre o lado direito, para representar a duração e um cerco, ao qual devia seguir-se a ruína de Jerusalém.
No Antigo Testamento Moisés que representava a Lei, e o Elias que representava a Profecia, ambos se aproximam de Deus: o primeiro no monte Sinai, o segundo no monte Horeb; mas nenhum deles consegue acesso junto à divindade, senão depois de purificados pela expiação em um jejum de quarenta dias.
A Quaresma aparece-nos então em toda a sua majestosa severidade, e como meio eficaz de aplacar a cólera de Deus e purificar nossas almas. Ao reconhecer humildemente que somos pecadores, sentimos necessidade da penitência, especialmente na quaresma, e esperamos assim que Deus se digne, como no tempo do profeta Jonas, conceder misericórdia a cada um de nós e a todo o povo. Na verdade, para obter a regeneração que nos tornará dignos de voltar às santas alegrias do Aleluia, ser-nos-á necessário o triunfo sobre os nossos três inimigos: o demônio, a carne e o mundo. Unidos ao Redentor, que luta sobre a montanha contra a tríplice tentação e contra o próprio demônio, necessitamos de estar armados e de vigiar sem desfalecimento.
"Devemos, diz D. Guéranger, durante a Quaresma trazer à memória os penitentes públicos, que, expulsos solenemente da assembleia dos fiéis na Quarta-feira de Cinzas, constituíam, por todo o espaço da santa Quarentena, objeto de maternal preocupação para a Igreja, devendo esta, se o mereciam, admiti-los à reconciliação na Quinta-feira Santa. Um admirável conjunto de leituras, destinado a instruí-los e a interessar os fiéis em seu favor, passará sob os nossos olhos, pois, a Liturgia nada perdeu tão pouco dessas vigorosas tradições. Lembrar-nos-emos então da facilidade com que nos têm sido perdoadas as iniquidades que, nos séculos passados, talvez não o fossem senão após duras e solenes expiações. E, pensando na justiça do Senhor, que permanece imutável, sejam quais forem as mudanças introduzidas na disciplina pela condescendência da Igreja, sentiremos tanto maior a necessidade de oferecer a Deus o sacrifício de um coração verdadeiramente contrito, e de animar, com um sincero espírito de penitência as leves satisfações que apresentamos à sua divina Majestade" (do Livro "Ano Litúrgico).
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