Continuação do sermão de São Pedro Julião Eymard sobre "SACRIFÍCIO DO ALTAR E SACRIFÍCIO DA CRUZ".
1. No altar, Deus recebe um culto exclusiva e totalmente de glória.
O Sacrifício tem por fim honrar duas grandes perfeições de Deus: a Soberania e a Justiça. O homem foi criado por Deus, d'Ele depende em absoluto e d'Ele tudo espera. Mas é também pecador e necessita de Sua misericórdia e perdão.
Ora, no Calvário, foi o Filho de Deus encarnado que a malícia dos homens empreendeu destruir e que, ao menos, entregou à morte.
Assim, em vez de aplacar a Justiça divina, oferecendo-Lhe expiação pelas próprias faltas, os homens se tornaram culpados do mais horrendo crime que se haja cometido.
Bem sei que, examinando tal Sacrifício da parte de Jesus Cristo, nada há de mais santo nem de mais agradável a Deus; Sua morte é o mais ilustre testemunho de obediência, o derradeiro esforço de amor e a maior honra que prestou ao Pai. Mas que indignação não deve ter concebido esse Pai celeste, pois, considerando a morte do Filho, da parte dos judeus, era o mais execrável atentado, o mais espantoso sacrilégio que os homens poderiam consumar. Poderia até parecer estranho que Deus tenha resolvido tirar tão grande bem: a Redenção, de tão grande mal: o deicídio.
Tal pensamento causava o pasmo de Santo Agostinho: "Quanta bona egit passio Christi, et tamen passio hujus iusti non esset, nisi Dominum iniqui occidissent": "Quão admiráveis são as vantagens trazidas ao mundo pela Paixão de Jesus Cristo, e, no entanto, é necessário reconhecer que não se teria realizado a Paixão desse Justo, se os maus não houvessem entregue à morte o Filho de Deus".
Portanto, o Pai eterno recebeu simultaneamente ultraje e satisfação na tragédia do Calvário. Considerando o sacerdócio de Jesus Cristo na Cruz somente quanto às aparências exteriores, quão humilhado nos aparece o divino Salvador em Sua dignidade de Sacerdote! Seu sacrifício apresenta-se encoberto por monstruoso crime; pergunta-se onde está o culto de Deus e como poderão os homens tirar proveito de um ato onde só se manifesta a sua própria crueldade.
Quanto ao sacrifício dos altares, faz resplandecer a glória de Deus e o proveito dos homens. É o mesmo que o do Calvário, mas despojado de todas as circunstâncias reclamadas pela imolação cruenta. É a oblação toda pura: oblatio munda, anunciada pelo Profeta (Mal 1, 11); é a função própria do sacerdócio de Jesus Cristo segundo a ordem de Melquisedech (Sl 109, 4); é o sacrifício do Cordeiro divino que, sempre vivo, é ao mesmo tempo Vítima e Sacrificador.
2. No altar, Jesus Cristo é imolado sem ser entregue à morte.
Embora a morte da vítima não seja a mais nobre condição do sacrifício, não deixa de ser o sinal mais sensível. Com efeito, é preciso que a vítima, para prestar a Deus completa homenagem, aceite livremente a morte.
No Calvário, Jesus Cristo morreu porque quis: "Ninguém, dizia Ele, me tira a vida, mas Eu por mim mesmo a dou" (Jo 10, 18). Os suplícios que padeceu eram apenas um meio que deixou agir na hora determinada pelo Pai.
Devemos, pois, encontrar no Sacrifício do altar, para que seja um verdadeiro sacrifício, ao menos um sinal sensível da imolação da vítima ali oferecida. Sem o que, jamais poderíamos confundir os hereges que negam o valor da Santa Missa, nem crer no amor que, todos os dias, ainda imola Jesus Cristo.
Ora, tal maravilha se realiza pela força das palavras divinas que, na consagração, separariam realmente o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, se Ele não fora agora imortal.
Assim, os santos Padres não recearam afirmar que Jesus Cristo morre todos os dias em nossos altares e que milhares de vezes se realiza em nossas igrejas o que só uma vez se realizou no Calvário. Santo Tomás cita a palavra atribuída a Santo Agostinho: "Cristo só uma vez se imolou a Si mesmo; e, contudo, imola-Se cada dia no Sacramento".
É o que lemos também numa oração litúrgica: "Sempre que se renova a memória dessa hóstia (oferecida na Santa Missa), opera-se o fruto de nossa redenção" (Secreta do 9º Domingo depois de Pentecostes).
O mais admirável, porém, é que essa imolação, tantas vezes renovada, realiza-se sem que a Vítima sofra. O amor tem a glória de repetir no altar, a obra que preparara no Cenáculo e perfizera nos sofrimentos do Calvário.
Sim, o Filho de Deus morre, de certo modo, na instituição desse adorável Sacramento, e nos dá Sua vida antes de perdê-la na Cruz. Tanto O constrange o amor que nos dedica, que não quer esperar até ao dia seguinte; começa a satisfazer, nessa instituição, o Seu desejo de morrer por nós, desejo que tão claramente manifestara: "Eu tenho de ser batizado num batismo; e quão grande é a minha ansiedade, até que ele se conclua!" (Lc 12, 50). Assim, com que solicitude se dirigiu ao Cenáculo, a fim de celebrar a última Páscoa legal: "Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de padecer" (Lc 22, 15).
O quê! Judas não realizou ainda seu execrável desígnio, os carrascos não se acham prontos para detê-Lo no jardim de Getsêmani, e já o adorável Salvador, pondo-Se à mesa, ergue o altar onde Se vai imolar. Ele mesmo separa, com Suas palavras, o próprio Sangue do próprio Corpo. "Tomai, diz Ele, isto é o meu Corpo", e, à parte, acrescenta: "Tomai, este é o meu Sangue". Não é colocar-Se num estado de morte? Considerando apenas a força dessas palavras, não coloca o amor o corpo de Jesus Cristo num estado semelhante àquele em que logo O colocará na cruz a crueldade dos carrascos?
Ora, Jesus Cristo não se contenta em separar assim o Corpo e o Sangue; quer também acreditemos que seu Corpo e Sangue são oferecidos em sacrifício desde então. Escutai as palavras que acrescenta, segundo o texto original: "Isto é o meu Corpo, que é dado por vós; este é o meu Sangue, que é derramado por vós" (Lc 22, 19-20).
Mas direis talvez: apesar desta afirmação, Jesus Cristo permanecia vivo; só o sofrimento O fez morrer realmente.
Concordo; mas admirai como, na Eucaristia, a morte se harmoniza com a vida: "Jesus Cristo, diz São Gregório de Nissa, unindo em Si as qualidades de Sacerdote e de Vítima, preveniu o papel dos carrascos e, por um misterioso gênero de sacrifício, ofereceu-Se a Si mesmo, Hóstia e Vítima. Praevento carnificis officio, seipsum, arcano sacrificii genere, hostiam offert et victimam, simul sacerdos et agnus".
Assim, no Sacrifício Eucarístico, o que prevalece é o amor que quer imolar-Se e toma da morte tudo quanto lhe é possível. Portanto, não foi a Sinagoga a primeira a imolar Jesus Cristo: foi causa da morte cruenta. Foi a mão do amor que realizou o primeiro Sacrifício da nova Lei, dando-lhe união necessária ao da Cruz, fonte de toda graça e de toda redenção.
3. No altar, os cristãos participam santamente do sacrifício de Jesus Cristo. - Na Cruz, Jesus Cristo padecia pela justificação e salvação de todos os homens, até dos seus carrascos. Motivo pelo qual observa Santo Agostinho: "Entregavam-No à morte, sem dúvida, mas, em última análise, não era a Ele que matavam e sim a si mesmos, salvos por Aquele mesmo que por eles Se imolava".
No sacrifício de nossos altares, porém, não há mais, como tal, crime em imolá-Lo: ao contrário, cercam-No a fé submissa, a terna piedade, o amor ardente. O sacerdote, sacrificador visível, é santo, pelo menos o deve ser; os fiéis que se unem ao sacerdote e comungam a divina Vítima, são puros e acham-se animados pelo desejo de amar cada vez mais a Jesus Cristo.
Portanto, o altar não é mais que o triunfo perpétuo e a glória do amor do Salvador. A Missa é a adoração perfeita prestada a Deus por Jesus Cristo, sumo Sacerdote; é a infinita ação de graças, expressa pelo Cordeiro divino. Dessa cruz mística fluem todas as graças da Redenção; as chagas abertas e gloriosas de Jesus Cristo as derramam abundantemente sobre os fiéis. Ali, termina-se e consuma-se a obra da salvação. O amor dá, o amor recebe, o amor torna-se a vida que jorra até ao céu.
Poder-se-á dizer que não há mais, em absoluto, crimes que acompanhem o sacrifício incruento de Jesus Cristo, sacrilégios que o profanam? Ah! não deveria haver.
Jesus Cristo foi crucificado uma vez pelo povo deicida; não deve mais ser ultrajado pelos cristãos regenerados em seu Sangue. Pagou o nosso resgate; seria, de nossa parte, espantoso atentado crucificá-Lo em nosso coração, insultá-Lo pela blasfêmia ímpia e escarnecedora, sepultá-Lo no lodo de nossos vícios. O crime do judeu seria escusável comparado ao do cristão, iluminado pela fé e filho de Deus pelo batismo. Seria atacar a glória de Deus, seus benefícios, o dom mais excelente de seu Amor.
Mas passemos a cortina do silêncio sobre tão triste quadro. Quero terminar com uma visão de consolação e felicidade. Bendigamos, pois, a bondade infinita de Jesus Cristo que deu à Igreja Católica o verdadeiro e divino Sacrifício do Altar.
O quê! Judas não realizou ainda seu execrável desígnio, os carrascos não se acham prontos para detê-Lo no jardim de Getsêmani, e já o adorável Salvador, pondo-Se à mesa, ergue o altar onde Se vai imolar. Ele mesmo separa, com Suas palavras, o próprio Sangue do próprio Corpo. "Tomai, diz Ele, isto é o meu Corpo", e, à parte, acrescenta: "Tomai, este é o meu Sangue". Não é colocar-Se num estado de morte? Considerando apenas a força dessas palavras, não coloca o amor o corpo de Jesus Cristo num estado semelhante àquele em que logo O colocará na cruz a crueldade dos carrascos?
Ora, Jesus Cristo não se contenta em separar assim o Corpo e o Sangue; quer também acreditemos que seu Corpo e Sangue são oferecidos em sacrifício desde então. Escutai as palavras que acrescenta, segundo o texto original: "Isto é o meu Corpo, que é dado por vós; este é o meu Sangue, que é derramado por vós" (Lc 22, 19-20).
Mas direis talvez: apesar desta afirmação, Jesus Cristo permanecia vivo; só o sofrimento O fez morrer realmente.
Concordo; mas admirai como, na Eucaristia, a morte se harmoniza com a vida: "Jesus Cristo, diz São Gregório de Nissa, unindo em Si as qualidades de Sacerdote e de Vítima, preveniu o papel dos carrascos e, por um misterioso gênero de sacrifício, ofereceu-Se a Si mesmo, Hóstia e Vítima. Praevento carnificis officio, seipsum, arcano sacrificii genere, hostiam offert et victimam, simul sacerdos et agnus".
Assim, no Sacrifício Eucarístico, o que prevalece é o amor que quer imolar-Se e toma da morte tudo quanto lhe é possível. Portanto, não foi a Sinagoga a primeira a imolar Jesus Cristo: foi causa da morte cruenta. Foi a mão do amor que realizou o primeiro Sacrifício da nova Lei, dando-lhe união necessária ao da Cruz, fonte de toda graça e de toda redenção.
3. No altar, os cristãos participam santamente do sacrifício de Jesus Cristo. - Na Cruz, Jesus Cristo padecia pela justificação e salvação de todos os homens, até dos seus carrascos. Motivo pelo qual observa Santo Agostinho: "Entregavam-No à morte, sem dúvida, mas, em última análise, não era a Ele que matavam e sim a si mesmos, salvos por Aquele mesmo que por eles Se imolava".
No sacrifício de nossos altares, porém, não há mais, como tal, crime em imolá-Lo: ao contrário, cercam-No a fé submissa, a terna piedade, o amor ardente. O sacerdote, sacrificador visível, é santo, pelo menos o deve ser; os fiéis que se unem ao sacerdote e comungam a divina Vítima, são puros e acham-se animados pelo desejo de amar cada vez mais a Jesus Cristo.
Portanto, o altar não é mais que o triunfo perpétuo e a glória do amor do Salvador. A Missa é a adoração perfeita prestada a Deus por Jesus Cristo, sumo Sacerdote; é a infinita ação de graças, expressa pelo Cordeiro divino. Dessa cruz mística fluem todas as graças da Redenção; as chagas abertas e gloriosas de Jesus Cristo as derramam abundantemente sobre os fiéis. Ali, termina-se e consuma-se a obra da salvação. O amor dá, o amor recebe, o amor torna-se a vida que jorra até ao céu.
Poder-se-á dizer que não há mais, em absoluto, crimes que acompanhem o sacrifício incruento de Jesus Cristo, sacrilégios que o profanam? Ah! não deveria haver.
Jesus Cristo foi crucificado uma vez pelo povo deicida; não deve mais ser ultrajado pelos cristãos regenerados em seu Sangue. Pagou o nosso resgate; seria, de nossa parte, espantoso atentado crucificá-Lo em nosso coração, insultá-Lo pela blasfêmia ímpia e escarnecedora, sepultá-Lo no lodo de nossos vícios. O crime do judeu seria escusável comparado ao do cristão, iluminado pela fé e filho de Deus pelo batismo. Seria atacar a glória de Deus, seus benefícios, o dom mais excelente de seu Amor.
Mas passemos a cortina do silêncio sobre tão triste quadro. Quero terminar com uma visão de consolação e felicidade. Bendigamos, pois, a bondade infinita de Jesus Cristo que deu à Igreja Católica o verdadeiro e divino Sacrifício do Altar.
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