S. Lucas XIX, 41-47
Não desprezar a graça
porque, um dia, será a última!
Caríssimos e amados irmãos em
Nosso Senhor Jesus Cristo!
É o que nos ensina o santo Evangelho de hoje: NÃO DESPREZAR A GRAÇA PORQUE, UM DIA, SERÁ A ÚLTIMA.
Trata-se da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. A última visita do Salvador a esta
cidade, pois, naquela semana vai ser preso, condenado, sofrer e morrer numa
cruz.
Em Jerusalém, os inimigos do Salvador ouvem falar com
desgosto do milagre da ressurreição de Lázaro, que é o assunto de todas as
conversas, e que atrai tanta consideração Àquele cuja glória os ofusca;
exaspera-os o contentamento que mostram os admiradores de Jesus, e sua
diligência em sair da cidade para ir ao seu encontro. Há também os
indiferentes, entregues aos negócios ou prazeres; estes ligam pouco importância
às questões religiosas, quase não prestam atenção a tudo o que se diz.
Fora de Jerusalém, há numerosos grupos, que manifestam à
porfia seu respeito e amor para com o glorioso filho de Davi que passou fazendo
o bem. Imaginemos o contentamento dos Apóstolos, porque, afinal, se faz justiça
ao seu bom Mestre; ei-Lo agora honrado como merece.
Mas Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja presença causa este
contentamento e a quem se dirigem todos estes cantos de triunfo, só Ele
descobre um motivo de tristeza nestas aparências lisonjeiras. E, assim, vendo a
cidade de Jerusalém, chora. Caríssimos, Jesus chora sobre a cidade que vai
crucificá-Lo, e nós sabemos que Ele anseia ver chegar a ocasião, em que nos há
de batizar no seu sangue. Qual é a causa destas lágrimas, se Ele deseja a cruel
morte, que se seguirá ao seu triunfo, dentro daquela mesma semana? É que este
terno e generoso amigo ama os seus sofrimentos, porque nos salvam; mas os
nossos males é que Lhe arrancam tantas lágrimas. Caríssimos, será que este amor
e estas lágrimas não nos comoverão?
Igreja "DOMINUS FLEVIT" construída no local onde Jesus chorou. Reparai que o artista quis representar as lágrimas na decoração da cúpula. |
O Filho de Deus, lembrando-se de tudo o que fez pela cidade
culpada, e do que ela vai fazer para encher a medida dos seus crimes, não se
contenta com chorar sobre ela; mas para nos instruir, quer que todos conheçamos
a causa das suas lágrimas. Jesus aflige-se porque prevê o novo abuso que
Jerusalém vai fazer das suas graças, não se aproveitando desta última visita: "Se ao menos neste dia, que te é dado,
conhecesses ainda o que te pode trazer a paz! Mas agora tudo isto está
encoberto aos teus olhos! Porque virá um tempo funesto para ti: no qual teus
inimigos te cercarão de trincheiras e te sitiarão; e te apertarão por todos os
lados: e te arrasarão, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não
conheceste o tempo da tua visita". Não conclui: suas lágrimas, seu silêncio dizem
o resto.
Caríssimos, não há pecador que não possa voltar para Deus,
mas é mister que queira. Si se obstina, os dias de ira substituirão os dias de
misericórdia. Que pensar do réu, que despreza seu juiz, ainda quando este,
chorando, parece dizer-lhe: "Evitai-me a dor de vos condenar, porque bem
vedes que vos amo?"
E ainda não terá passado o tempo da misericórdia para aquele
povo de Jerusalém? Não, mas passará brevemente; não falta senão um dia! E,
caríssimos, uma vida inteira, comparada com a eternidade, não é mais do que um
dia! Se durante este dia favorável, se diante desta graça definitiva,
Jerusalém, abrindo finalmente os olhos à verdade, recebesse o seu libertador
com a mesma boa vontade que a gente que formava seu cortejo; se todos os seus
habitantes concorressem, como deviam, a esta ovação, o triunfo de Jesus teria
sido completo. Ele manifestaria sua alegria, em lugar de derramar lágrimas.
Mas, como profetizou Jesus: "Isto está encoberto aos seus olhos!".
Não pode haver castigo maior neste mundo do que este: a cegueira espiritual
advinda do orgulho que não quer reconhecer a verdade! Jerusalém obstinara-se e
endurecera-se. Não quer ver nem os bens que perde, nem os males que atrai sobre
si, nem os crimes que cometeu, nem o que viria a cometer. Na verdade, deixou
passar o tempo da salvação.
Todos os castigos preditos por Jesus caíram sobre
aquela cidade. No ano 70, Tito, imperador romano, sitiou e destruiu inteiramente
Jerusalém. Basta lermos o que o historiador judeu Flávio Josefo nos descreve
minuciosamente. E é este judeu renegado que nos diz que, uns meses depois da
catástrofe, o imperador Tito, ao voltar do Egito para a Palestina, passou por
Jerusalém "e, ao comparar a triste solidão que substituíra a antiga
magnificência, deplorou o desaparecimento daquela grande cidade e, longe de se
desvanecer por a ter destruído, apesar da sua fortaleza, como teria feito
qualquer outro, maldisse os culpados que haviam iniciado a revolta e provocado
aquele espantoso castigo".
Mas isto era apenas o castigo material; pensemos nos
castigos espirituais. Caríssimos, compreendei pelas lágrimas de Jesus, a
desgraça da impenitência, a desordem das paixões, a malícia do pecado, a
loucura das alegrias mundanas, a profanação dos templos, mas compreendei,
outrossim, a caridosa compaixão do Coração de Jesus. Aprendei desta profunda
aflição a sua excessiva ternura para com todos os homens, e quanto lhe é
dolorosa a perdição dos pecadores. Supliquemos ao Divino Redentor a graça de
chorar com Ele a triste sorte daquelas almas que Ele ama até morrer para as
salvar, e que não salvará, nem mesmo morrendo por elas! Rezemos e façamos
penitência pela conversão dos pecadores, porque Nossa Senhora ensinou em Fátima
que muitos se condenam porque não há quem reze e faça penitência por eles.
Caríssimos, para todos nós, haverá também a última visita de
Jesus, a graça definitiva. E profundamente tocados, meditamos nestas palavras
de Santo Agostinho: "Timeo Jesum transeuntem et non redeuntem",
"Temo a Jesus que passa e não volta mais". Deus nos faz diversas
visitas na vida, visitas mais marcantes que aquelas que recebemos d'Ele todos
os dias. Por exemplo: é a primeira comunhão, é a época do casamento ou,
seguindo a vocação especial de Deus, a entrada para o seminário, o dia da
ordenação sacerdotal, ou da profissão para os religiosos. Pode ser também um
revés na fortuna, uma doença, a perda de um amigo, de um parente. É uma missão,
um retiro espiritual, uma peregrinação, um sermão ou artigo tocante, ou mesmo
uma possante moção interior da graça às vezes até sem causa exterior aparente.
Caríssimos, felizes aqueles que sabem reconhecer este tempo da visita do Senhor!
Sua salvação está assegurada; pois, ela dependia desta graça particular e que
não ficou vã, mas foi aceita com generosidade. Assim foi a aparição da estrela
para os Reis Magos! Por outro lado, quão
infelizes aqueles que não reconhecem Jesus quando Ele vem a eles, quando Jesus
bate a porta de seus corações e eles não Lha abrem e até o rejeitam como um
estranho que nunca teriam visto. E Jesus passa adiante, e, algumas vezes, não
volta mais; foi aquela a última visita, o último recurso de sua misericórdia.
Não mais as graças de escol, não mais os apelos prementes, não mais os convites
tocantes. O pecador se endurece, e se afunda mais e mais no mal. Seu coração
ficou duro e frio como granito. Seus olhos se obscureceram. Não vê e nem gosta
mais do bem! Ó que estado lastimável, que faz chorar a Jesus e aos seus fiéis
ministros!!! O que Jesus disse a respeito de Jerusalém, com certeza diz em
relação a tais pecadores que rejeitam suas graças: "Jerusalém, Jerusalém,
quantas vezes Eu quis juntar teus filhos como a galinha recolhe debaixo das
asas os seus pintainhos e tu não quiseste!" (S. Mateus XXIII, 37).
Oh! amantíssimo Jesus, fazei-me compreender que a verdadeira
paz não consiste nem devo procurá-la na ausência de dificuldades, na
condescendência com os meus desejos, mas na total adesão à Vossa vontade e na
docilidade às inspirações do divino Espírito Santo! Amém!
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