Por São Boaventura
"A ternura e bondade de Nosso Senhor tinham-Lhe
conciliado tanto a afeição dos discípulos e principalmente dos Apóstolos, que
não podiam resignar-se a separar-se dele. Em vão lhes dissera que ia
preparar-lhes morada na casa de seu Pai, e que lhes convinha que Ele fosse; só
a ideia da sua ausência, ainda mesmo temporária, enchia-os de tristeza.
Tendo pois chegado o quadragésimo dia depois da sua
ressurreição, tomou consigo os santos patriarcas e os outros justos, que tirara
do limbo, e veio ter com os Apóstolos que estavam no Cenáculo com sua Mãe e os
outros, e aparecendo, quis, antes de subir ao Céu, comer com eles, como prova
do seu amor.
Enquanto todos participavam com grande júbilo deste último
banquete com seu Mestre, o Senhor Jesus diz-lhes: "É chegado o tempo de eu
voltar para Aquele que me enviou; mas vós permanecei nesta cidade, até que
sejais revestidos da virtude do alto. Depois ireis por todo o mundo pregar o
meu Evangelho, batizar os crentes, e me sereis testemunhas até aos confins da
terra".
Todos eles comem, conversam e gozam da presença do seu
Senhor; mas não obstante isto, perturba-os a sua partida. E que dizer de sua
Mãe, que comia ao lado dele? Não é crível que, ouvindo anunciar esta partida,
ela recline cheia de ternura maternal, sua cabeça no peito de Jesus? Não tinha
ela mais direito a isso que S. João? E diz-lhe banhada em lágrimas: "Meu
Filho, se quereis partir, levai-me convosco". E o Senhor consolando-a, lhe
responde: "Peço-vos, minha querida Mãe, que vos não aflijais, porque vou para meu Pai; e vós
convém que fiqueis ainda algum tempo na terra, para confortar os que crêem em
mim; depois, virei ter convosco e vos levarei para a minha glória".
Então esta Mãe disse resignada: "Ó meu querido Filho,
seja feita a vossa vontade! Eu estou disposta a ficar e a morrer, em favor
daquelas almas que remistes com o preço do vosso sangue; mas lembrai-vos de
mim". O Senhor consola-a, assim como à Madalena e aos discípulos,
acrescentando: "Não se perturbe vosso coração, não vos hei de deixar
órfãos. Vou, e hei de voltar a vós, e estarei sempre convosco". Finalmente
diz-lhes a todos, que saiam e se dirijam para o monte das Oliveiras, porque
dali se elevaria ao Céu; e desapareceu. Sua Mãe e os outros partiram logo para
aquele monte, onde o Salvador lhes apareceu de novo.
Considerai atentamente o Mestre, os discípulos, e tudo o que
se passa. Estando cumpridos todos os mistérios, o Senhor Jesus abraça sua Mãe,
e diz-lhe adeus, e sua Mãe estreita-O ternamente nos braços. Os Apóstolos,
Madalena e todos os outros prostraram-se, e desfeitos em pranto beijam com
ternura seu divinos pés. Ele levanta com bondade os Apóstolos e abraça-os.
Então começa a elevar-se, todos se prostram de novo. Nossa Senhor dizia:
"Meu abençoado Filho, lembrai-vos de mim!". Ainda que chorosa,
experimentava uma íntima alegria: seu filho subia ao Céu com tanta glória!...
Por sua parte os Apóstolos e discípulos diziam: "Senhor, nós renunciamos a
tudo para vos seguir; lembrai-vos de nós".
E Jesus, com as mãos levantadas, o rosto radiante, coroado e
vestido como um rei, eleva-se triunfalmente ao Céu! Então, abençoando-os,
diz-lhes: "Sede constantes, tende coragem, porque estarei sempre
convosco". E subia, levando após si aquele exército de escolhidos, a quem
abria o caminho do Céu, segundo a profecia de Miquéias: "Ascendet pandens iter ante eos" (Miquéias, II, 13). É assim que o Senhor cheio de glória,
vestido de branco, com o rosto alegre e radiante, os precedia. E eles cantando,
transportados de júbilo, seguiam-no repetindo: Cantemus Domino qui ascendit super occasum : Dominus nomen illi.
[...].
Todos os coros dos Anjos, postos em ordem segundo a sua
jerarquia, descem e vêm ao encontro de Jesus, todos se inclinam profundamente
diante dele, seu supremo Senhor, e o acompanham, repetindo hinos e cânticos
inefáveis. E os patriarcas, que seguiam a Jesus, cantavam e diziam: Alleluia, alleluia, alleluia! [...].
Vede como duma e doutra parte, todos honram o Senhor, se
alegram da sua presença, e cantam sua glória, com o maior júbilo. Assim se
realiza o oráculo do profeta: Ascendet
Deus in jubilatione et Dominus in voce tubae.
Jesus vai-se elevando pouco a pouco, para consolação de sua
Mãe e de seus discípulos, para que possam gozar deste espetáculo; depois, por
fim, uma nuvem interpõe-se, e oculta-O aos olhos de todos. Mais um instante, e
estará com todos os Anjos e patriarcas na pátria celestial.
Mas, como a Mãe do Filho de Deus e os Apóstolos com os
discípulos, ainda que já o não viam, se conservassem sempre de joelhos, com os
olhos fitos no Céu, foi necessário que dois Anjos viessem tirá-los deste
êxtase, dizendo-lhes: "Homens da Galileia, porque estais olhando para o
Céu? Este Jesus que acabou de subir ao Céu com tanta glória e majestade, há de
tornar do mesmo modo à terra. Voltai para Jerusalém, como Ele vos mandou,
esperai ali o cumprimento das suas promessas.
Notai esta atenção de Jesus para com os seus: mal se ocultou
aos olhos deles, logo lhes mandou os seus Anjos, para que se não cansem em
olhar daquela maneira, e para que sejam confortados com este testemunho dos
habitantes do Céu, que vem juntar-se ao deles, acerca da ascensão do seu bom
Mestre.
Tendo ouvido estas palavras, Nossa Senhora rogou
humildemente aos Anjos que a recomendassem a seu Filho; e os Anjos,
inclinando-se diante de Maria até ao chão, receberam de bom grado a sua
mensagem. Os Apóstolos, a Madalena e todos os mais fizeram aos Anjos a mesma
petição; e estes desaparecendo, voltaram todos para a cidade, para o monte de
Sião, ali ficaram esperando, como o Senhor Jesus lhes ordenara".
Também eu, ó Jesus, meu divino rei, com a minha alma cheia
de júbilo e esperança, feliz pela vossa glória, vos obedeço, e me retiro para
onde vossa vontade me chama. Elevo-me
desde já acima das coisas terrenas; quero que todos os meus pensamentos
e afetos estejam no Céu. Amém!
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