S. Mateus IX, 1-8
"Tem confiança,
filho, os teus pecados te são perdoados"
Caríssimos e amados
irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo!
O santo Evangelho oferece-nos ensejo de refletirmos sobre muitos
assuntos. Quero falar sobre o poder de perdoar pecados, ou seja, sobre o
sacramento da Penitência ou Confissão.
O poder de perdoar pecados é, na verdade, um poder divino, isto é,
só Deus pode perdoar pecados. Jesus Cristo perdoava pecados justamente porque
Ele era Deus. Mas quem tem o poder, pode delegá-lo a outrem. Foi o que Nosso
Senhor Jesus Cristo fez. Assim como deu aos Apóstolos o poder de batizar,
celebrar o Santo Sacrifício da Missa, o poder de pregar, deu-lhes também a eles
e aos seus sucessores o poder de perdoar pecados. Por isso é que Jesus disse:
"Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós. Tendo dito estas
palavras, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Àqueles a
quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os
retiverdes, ser-lhes-ão retidos" (S. João XX, 21-23).
Todos reconhecem que os reis da terra têm o poder de mandar
administrar a justiça em seu nome, quer dizer, de confiar a magistrados o
direito de absolver e de condenar os culpados. Por que recusar a Deus o mesmo
direito? O Rei do Céu terá menos poderes do que suas criaturas? Evidentemente
Deus pode confiar a homens o poder de perdoar os pecados em seu nome. Ora, é um
artigo de fé que Jesus Cristo comunicou este poder aos padres quando lhes
disse: os pecados serão perdoados a quem vós os perdoardes. O
Salvador não disse: os pecados serão perdoados a quem anunciardes que lhes são
perdoados; não; pois, absolvendo, o padre perdoa verdadeiramente os pecados na
qualidade de substituto de Jesus Cristo, em virtude do poder que lhe foi dado
por Nosso Senhor, que é o principal ministro do Sacramento.
Caríssimos, é mesmo impossível que haja um outro meio de perdão.
Com efeito, se houvesse na religião outro meio além da confissão, para se restabelecer
na graça de Deus; se bastasse, por ex., humilhar-se em sua presença, jejuar,
orar, dar esmolas, declarar-lhe sua falta no íntimo do coração, que
aconteceria? Que ninguém mais se confessava. Pois quem seria bastante simples
para ir solicitar, com um tom suplicante, aos pés de um homem, uma graça que
poderia facilmente obter sem ele, e contra a sua vontade? Então que seria da
confissão estabelecida pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo (Cf. S. João, XX,
21 a 23). - Cairia em desuso e ficaria sem efeito no mundo. Que seria do
magnífico poder que Ele deu aos seus ministros de perdoar ou reter os pecados?
Não é evidente que este poder tão admirável e divino tornar-se-ia um poder
ridículo e completamente irrisório visto que nunca teriam de exercê-lo? Assim,
ou há obrigação para todos os pecadores confessarem seus pecados ao padre, ou
então Jesus Cristo zombou de seus ministros dizendo-lhes: os pecados
serão perdoados a quem os perdoardes, etc. E teria
igualmente zombado deles quando lhes disse: dar-vos-ei as chaves do
reino dos céus (S. Mateus, XVI, 19). De que lhes serviria ter as
chaves do céu se nele se pudesse entrar sem que fosse aberto pelo seu
ministério?
Os grandes adversários do Sacramento da Penitência são os
protestantes. Estes, seguindo Calvino, e também os ímpios modernos ousam dizer
que a confissão era desconhecida nos primeiros séculos do Cristianismo.
Sustentam que a confissão data do 4º Concílio de Latrão em 1215, época em que o
Papa Inocêncio III tê-la-ia inventado. Caríssimos, isto constitui um grave erro
que denota a mais grosseira ignorância, ou, pior ainda, uma demonstração da mais insolente má fé.
Vamos ouvir Santo Afonso: este grande Doutor da Santa Igreja diz que o Papa
Inocêncio III, não fez senão determinar o tempo em que a confissão deve ser
feita pelos fiéis, isto é, ao menos uma vez por ano, como já haviam prescrevido
os papas Inocêncio I (+ 417), Leão I (+ 474), Zeferino (+218). Além disso,
sabemos que a Tradição e a História da Igreja se apóiam no Santo Evangelho de
S. João XX, 21 a 23, para provar que a confissão foi instituída por Jesus
Cristo. Suponhamos os Sacramento da Penitência como a Igreja o administra,
realmente estabelecido por Nosso Senhor Jesus Cristo: Eis aqui os fatos que se
devem produzir e dos quais a História Eclesiástica dá, sem dúvida, testemunho;
os Padres da Igreja falarão da Confissão em seus escritos, e dirão que ela vem
de Jesus Cristo; hão de afirmar que é necessária à salvação, que deve ser feita
com sinceridade e com contrição; que só os sacerdotes podem absolver, etc. Os
Concílios traçarão as regras aos confessores, para remediar os abusos que
nascerão em diversas épocas da história. Conservar-se-ão muitos nomes de
confessores que prestaram o socorro de seu ministério a personagens históricos.
Talvez se encontre nas mais antigas igrejas o lugar dos tribunais da
penitência; enfim, as seitas separadas da Igreja de Jesus Cristo, desde os
primeiros séculos, terão provavelmente conservado alguns vestígios dessa
salutar instituição.
Consultando as antiguidades eclesiásticas obteremos
precisamente estes resultados que acabamos de enumerar. Até historiadores
protestantes, devendo ser sinceros diante da evidência, declararam que a
Confissão entre os Católicos já era exercida nos quatro primeiros séculos. Por
exemplo, o historiador protestante Gibbon diz: "o homem instruído não pode
resistir ao peso da evidência histórica que estabeleceu a Confissão como um dos
principais pontos da doutrina católica em todo o período dos quatro primeiros
séculos".
Entre outras seitas heréticas encontramos também quem dá
testemunho histórico da existência da Confissão já nos primeiros séculos da
Igreja Católica. Por exemplo: os eutiquianos, os jacobitas, os armênios, os
nestorianos, em um palavra, as Seitas do Oriente, separadas da Igreja Romana
desde o 4º e o 5º séculos, praticavam a confissão como necessária. Muitos
sábios autores atestam que se vêem nas catacumbas de Roma os confessionários
próximos aos altares, cujas pinturas, semelhantes às de Pompéia, remontam aos
primeiros séculos do Cristianismo.
Em Teologia usam-se os argumentos tirados das Sagradas Escrituras
e depois os argumentos da Tradição. Frequentemente, usam-se também os
argumentos da reta razão humana. Assim,
em se tratando da origem divina do Sacramento da Penitência, vamos, com a graça
de Deus, apresentar também os argumentos da reta razão, ou também chamados
argumentos do bom senso.
Pois bem! O mais simples bom senso nos mostra que a confissão não
pode ter senão uma origem divina. Suponhamos que seja uma invenção humana;
certamente, uma tal invenção é bastante notável para que se conhecesse o seu
autor. Sabe-se o primeiro cultor da ciência: foi Thales. Arquimedes inventou as
espelhos-ustórios; Nilton descobriu a lei da gravidade; Gutemberg descobriu a
arte de imprimir. Pedro Álvares Cabral descobriu o nosso querido Brasil;
Colombo descobriu a América etc. etc., ... quem é, pois,o inventor da
confissão? Foi, acaso, um grande santo? Mas os santos Padres desde os mais próximos dos
Apóstolos já supõem a confissão como um fato existente e conhecido. Logo, não
foram eles que inventaram a confissão. Se os padres, os bispos e os papas
fossem isentos da confissão, aquela afirmação teria alguma aparência de
verdade; eles, porém, estão sujeitos a ela como os simples fiéis. Onde, pois, a
razão que os induziria a impor-se uma obrigação tão humilhante? Por que força
secreta teriam eles podido constranger os reis a irem ajoelhar-se ante um pobre
padre para lhe fazer acusação de suas fraquezas, a submeter-se sem réplica às
suas decisões, e receber dele, com respeito, uma penitência proporcionada às
suas faltas? Se os padres tivessem inventado a confissão, teriam sido levados
por um motivo qualquer. Qual seria este motivo? O interesse? Evidentemente que
não; pois o confessor não recebe remuneração alguma pela confissão. O prazer?
Mas sabeis o que é ser confessor? - Ser confessor é ser escravo de
todos - depender dos outros desde a manhã até à noite - a qualquer
hora do dia e da noite. O confessor tem que sondar as chagas mais repugnantes,
sem tremer, ouvir os crimes por maiores que sejam, sem arrepiar-se.
É sobretudo à cabeceira dos doentes e moribundos que os padres
devem estar presentes. O padre deve administrar os sacramentos aos pestíferos
com risco de contaminar-se do mal. Sua vida é uma vida de sacrifícios, de
prisão e de fadiga, sobretudo no confessionário e junto aos leitos dos
doentes.Quem teria inventado a confissão? Talvez os fiéis? Mas esta segunda
suposição é tão absurda como a primeira. A confissão é um constrangimento, um
ato de humildade. Ora, o homem, em lugar de submeter-se de boa vontade a uma
coisa que o constrange e humilha, é ao contrário levado a repelir tudo que o
contraria. Quando alguns do Anglicanismo quiseram introduzir a confissão na
Inglaterra; que resultou? As revoltas populares, os gritos sediciosos
levantaram-se ao mesmo tempo em todos os pontos do país. Uma tal imposição por
parte de fiéis só merece a irrisão pública. Só Deus tem autoridade para impor
este ato de humilhação como condição para se receber o perdão dos pecados.
Portanto, o homem não podia inventar a confissão; ela é obra de Deus. Só Ele, o
soberano Mestre, a poderia impor ao homem; e o homem, qualquer que seja, rei ou
súdito, rico ou pobre, é obrigado a submeter-se a essa lei divina, sob a
terrível pena de condenação eterna para os que, depois do Batismo, tenham
cometido pecado mortal.
Quero terminar com a
advertência de S. Pio V: "Sejam os confessores como eles devem ser [pai,
médico, juiz, mediador, diretor das almas], ver-se-á para logo inteira reforma
de todos os cristãos". Amém!
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