""Abstende-vos de toda aparência do mal" (Tessal. V, 22)
Há um erro popular, e não é só de hoje, que consiste em
persuadir-se falsamente de que o pecado venial é coisa de somenos importância,
como se a palavra venial significasse bagatela, coisa de nada. Talvez este erro
venha da palavra "leve" também empregada para designar pecado venial.
Na verdade, "leve" aqui é um termo relativo, assim, por exemplo,
comparando, quando a gente diz que a Terra é pequena em relação ao Sol. É claro
que em si mesma a Terra não é pequena. Assim, fazendo a aplicação, dizemos que
o pecado venial é leve em comparação com o mortal, mas em si mesmo é o maior
mal que existe sobre a terra depois do pecado mortal. Não é difícil
entendermos, pois, se é pecado, ofende a Deus que é de uma dignidade, perfeição
e majestade infinitas. Daí dizer São Jerônimo: "Não é falta leve desprezar
a Deus nas coisas pequenas". É chamado venial (de venia em latim que significa perdão)porque
significa coisa perdoável, ou, melhor dizendo "coisa mais facilmente perdoável", porque o pecado mortal
também é perdoável. Mas não esqueçamos que para os pecados (mortais e veniais)
poderem ser perdoados, Jesus Cristo sofreu e morreu numa Cruz.
Mas o que é pecado venial? Bom! se é pecado é porque tem os
três elementos que constitui um pecado: transgressão da lei de Deus, advertência
sobre esta transgressão e apesar disto há o consentimento da vontade. Quando se
dá o pecado venial? Nestes casos: Quando a matéria da transgressão é de si
mesma leve; ou é grave mas a advertência sobre esta malícia não é total e o
consentimento da vontade não é pleno. É, portanto, qualquer pensamento,
palavra, ação ou omissão contra a lei de Deus, mas que não é tão grave, que nos faça perder a amizade do
Senhor e dê a morte à alma. Acha-se neste gênero de faltas, tudo o que
constitui o pecado: Deus que manda, o homem que recusa obedecer. A única
diferença que há entre o pecado mortal e o venial, é o consentimento mais ou
menos completo, matéria mais ou menos grave. Quanto ao mais, em um e outro há
uma indigna preferência dada à vontade do homem sobre a de Deus; é uma ofensa
de Deus; e feita por quem, e porque? Por uma vil criatura, por um desprezível
motivo. Há portanto no pecado venial um verdadeiro desprezo de Deus, uma
verdadeira injúria feita a todas as perfeições de Deus; injúria leve comparativamente
com a que resulta do pecado mortal, mas de uma gravidade como que infinita, já
que ofende a dignidade infinita de Deus.
Vamos dar alguns exemplos de pecados veniais: pequenas iras
passageiras, ligeiras intemperança no
comer ou beber, falar mal dos outros em coisas que não causam graves
danos a reputação do próximo, mentiras oficiosas, manifestações de amor
próprio, distrações e curiosidades que me alheiam de mim mesmo e me perturbam o
coração, negligências nos exercícios espirituais e religiosos, donde resultam
tantas faltas contra o respeito devido ao Senhor. Se não vigiarmos, quantas
faltas cometemos pelo mau humor, pela liberdade da língua etc.
Os teólogos e também autores espirituais fazem algumas
suposições hipotéticas para se fazer compreender melhor o mal que é o pecado
venial. Eis alguns exemplos: Seria um grande mal aquele que não pudesse ser
reparado com todas as lágrimas do gênero humano, com os tormentos dos mártires,
as austeridades dos anacoretas, os sofrimentos, a caridade de todos os Santos,
e com todas as boas obras que se têm feito desde o princípio, e se farão até ao
fim do mundo. E todavia, todas estas satisfações, se não se lhes ajuntassem as
satisfações infinitas do Verbo encarnado, não bastariam para reparar a ofensa
que faz a Deus um só pecado venial. Outro exemplo: a mentira quando não
prejudica gravemente o próximo é sempre de si mesma um pecado venial. Pois bem!
Se fosse para tirar todos os condenados do inferno ou evitar que fossem
expulsos do Céu todos os Santos, não se poderia cometer tal mentira, que é um
pecado venial. Será que haverá alguém ainda afirmando com tanta desenvoltura
que o pecado venial é coisa de nada, e que se pode fazê-lo com a mesma
facilidade com que se bebe um copo d'água? Se houver, por ventura algum pecador
que ouse afirmá-lo, ouça também o que diz os santos dos quais citarei apenas
alguns: Santa Catarina de Gênova: "Lançar-me-ia em um oceano de chamas,
sendo preciso, para evitar a ocasião do menor pecado, e ali ficaria sempre,
antes do que sair de lá por um pecado venial"; Santa Catarina de Sena: "Se a alma que é
imortal, pudesse morrer, a vista de um só pecado venial, que manchasse a sua
beleza, seria capaz de lhe dar a morte"; Santo Inácio de Loiola dizia:
"Todo o homem que é zeloso da pureza da sua consciência, deve humilhar-se
diante de Deus pelos pecados mais leves, considerando que aquele Senhor contra
quem são cometidos, é infinito em todo o gênero de perfeições, o que lhes
agrava infinitamente a malícia" ; Dizia Santo Tomás de Aquino: "Antes
morrer que pecar venialmente". Eis mais um exemplo: "O Santo Cura
d'Ars tinha recebido uma cédula de mil
francos, para as suas obras. Quando foi acender a vela, não tendo fósforo,
tirou do bolso sem olhar um pedaço de papel e o chegou ao fogo. O padre coadjutor
deu um grito: "Senhor Vigário, é uma nota de mil francos que
queimais". "Antes isso, disse o Santo, que um pecado venial".
E, caríssimos, quem pode contar a multidão dos pecados
veniais. Santo Agostinho dizia; "Se não temes os pecados veniais, quando
pensas na sua gravidade, temei-os quando o contas". Milhares de pecados
veniais somados não constitui um mortal, a não ser quanto àqueles mandamentos
em que a matéria se soma, como é o caso do 7º mandamento (pode chegar a uma
soma que já passe a constituir pecado mortal). Fora disto não. Mas se não se
combate os pecados veniais e estes se tornam um hábito, a alma se torna tíbia e
aí vai aos poucos escorregando para o abismo do pecado mortal. E uma
circunstância que nos deve atemorizar: é mais difícil sair do pecado mortal,
quando se chegou a ele aos poucos através de pecados veniais não combatidos. Os
pecados veniais diminuem as luzes e as forças da alma. Num naufrágio pouco
importa se ele acontece por uma furiosa tempestade ou pelo fato de a água entrar
por um fenda gota a gota. Se muitos pecados mortais não constitui um mortal, é,
no entanto, certo que dispõem para o mortal. Depois, se Deus quiser, falaremos
sobre a tibieza, e, então explicaremos isto melhor.
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