Santo Tomás de Aquino, Suma
Teológica, questão LXXXIII, artigo IV e V.
ART. IV. - Se foram
convenientemente ordenadas as palavras proferidas neste sacramento.
ART. V. - Se
as cerimônias usadas na celebração deste mistério são convenientes.
Nota: Alterei a ordem da matéria, colocando as objeções para o
fim.
ARTIGO IV - Explicação das palavras da Santa Missa
Um documento denominado: "De
Consecratione, dist. 1º" (ndt - é um documento extraído dum livro
antiquíssimo: "Constituições Apostólicas") diz: "Tiago,
irmão(primo) do Senhor e (S.) Basílio Cesariense Bispo, regularam a celebração
da missa". Dada a autoridade destes homens (São Tiago, Apóstolo e
São Basílio, Bispo) devemos dizer que nada se diz na Missa que não seja
apropriado.
EXPLICAÇÃO para solução de qualquer dúvida: Este
sacramento compreende todo o mistério da nossa salvação. Por isso, é celebrado
com mais solenidade que todos os outros. E porque lemos nas Sagradas
Escrituras, Eclesiástico IV, 17: "Vê onde põe
o teu pé quando entras na casa de Deus"; e Eclesiástico, XVIII, 23: "Prepara
a tua alma antes da oração". Por
isso, antes da celebração deste mistério, vem em primeiro lugar a preparação,
para se bem fazer o que se segue. - Desta preparação, a primeira parte é o
louvor a Deus, que se faz no Intróito, segundo aquilo das Sagradas Escrituras: "Sacrifício
de louvor me honrará; e ali o caminho por onde lhe mostrarei a salvação de
Deus" (Salmo XLIX, 23). E este louvor de Deus é tirado, no mais das vezes, dos
salmos, ou pelo menos é cantado com um Salmo, porque, como diz (S.)
Dionísio, os salmos como louvores, abrangem tudo o que está contido nas
Sagradas Escrituras. - A segunda parte (Santo Tomás,
mais na frente, vai se referir ao Confiteor). contém a
confissão de nossa miséria presente, quando o sacerdote implora misericórdia,
dizendo Kyrie
eleison, três vezes pela pessoa do Pai; três
pela pessoa do Filho, quando diz Christe eleison; e três pela pessoa do Espírito Santo, quando
acrescenta Kyrie eleison.
Três súplicas contra a nossa tríplice miséria - da ignorância, da culpa e da
pena; ou para significar também que as três pessoas divinas estão
reciprocamente uma na outra. - A terceira parte comemora a Glória Celeste, a
que tendemos depois da miséria presente, quando se diz: Gloria
in excelsis Deo; o que se canta nas festas
em que se comemora a glória celeste, e se omite nos ofícios fúnebres e de
penitência que só comemoram a miséria da vida presente. - A quarta parte
contém a oração que o sacerdote faz pelo povo, para que ele (=o povo) seja
digno de tão grandes mistérios.
Em segundo lugar vem a instrução do povo fiel, porque este
sacramento é o mistério de fé. E essa instrução
dispositivamente se faz pela doutrina dos Profetas e dos Apóstolos, lida na
Igreja pelos leitores e subdiáconos. É a Epístola. E depois desta
lição o coro canta o Gradual, que significa o progresso na
vida espiritual; o Alleluia, símbolo da exultação espiritual;
ou o Tractus, nos ofícios fúnebres e de penitências, que
significa os gemidos espirituais. Porque de tudo isso o povo deve dar mostras.
- Pela doutrina de Cristo, contida no Evangelho o povo é
perfeitamente instruído; e é lida pelos diáconos, ministros do grau mais
elevado. E por crermos em Cristo, como na Verdade divina, segundo aquilo do
Evangelho: "Se eu vos digo a verdade, porque me não
credes? (São João, VIII, 46). - Lido o
Evangelho, canta-se o Símbolo da Fé, (o Credo) pelo qual todo o
povo mostra o seu assentimento à fé na doutrina de Cristo. O Símbolo se canta
nas festas de que se faz nele alguma menção, como nas de Cristo e da Santíssima
Virgem. E nas dos Apóstolos que fundaram esta fé, e em outras semelhantes.
Assim, pois, preparado e instruído
o povo, passa o sacerdote à celebração do mistério. E este é oferecido como
sacrifício, e consagrado e tomado como sacramento. E então, primeiro, se
realiza a oblação; segundo, a consagração da matéria oferecida; terceiro, a
recepção dela.
A oblação se compõe de duas partes:
o louvor do povo no canto do ofertório, símbolo da alegria dos oferentes; e a
oração do sacerdote, que pede seja aceita de Deus a oblação do povo. Por isso
disse David: "Eu te ofereci alegre todas estas
coisas na simplicidade do meu coração; e eu vi que o teu povo, que aqui está
junto, te ofereceu os seus presentes com grande alegria"(Paralipômenos [hoje=
CRÔNICAS], XXIX, 17 e 18).
E depois vem a Consagração já com o prefácio onde a Igreja
procura despertar a devoção do povo; por isso adverte-o a ter os corações
elevados para o Senhor - "Sursum corda; habemus ad Dominum = Corações
ao alto! Já os temos para o Senhor!". Donde, acabado o
prefácio, a Igreja louva devotamente a divindade de Cristo, dizendo com os
anjos: "Sanctus, Sanctus, Sanctus" (Isaías, VI, 3). E louva
igualmente a humanidade de Cristo dizendo com os meninos: "Benedictus
qui venit" (Mateus, XXI, 9,15). Depois o sacerdote comemora, em
secreto, aqueles por quem oferece o sacrifício, isto é, pela
Igreja universal e pelos que estão elevados em dignidade (1 Tim. II, 2); e especialmente
certos que oferecem ou por quem é oferecido. - Em segundo lugar, comemora os
santos, quando lhes implora o patrocínio pelo que acabou de recomendar, ao
dizer: "Communicantes e memoriam venerantes,etc" (="Unidos
numa mesma comunhão, honremos a memória"... ). Enfim, em
terceiro lugar, conclui a petição, quando diz: "Hanc igitur
oblationem etc." (=Assim, pois, esta oblação"...) para que se faça
a oblação por aqueles por quem é oferecido o sacramento.
Em seguida passa propriamente
à consagração, na qual, - primeiro - pede o efeito dela, quando diz: "Quam
oblationem tu, Deus..." (=Cuja oblação, ó Deus...). Segundo, faz a
consagração, pronunciando as palavras do Senhor, quando disse: "Qui
pridie quam pateretur..." (=O qual na véspera de sua
Paixão...). - Terceiro - escusa-se da sua ousadia por obediência ao mandado de Cristo,
quando diz: "Unde et memores..." (=É
porque, lembrando-nos...). - Quarto - pede que seja aceito de
Deus o sacrifício celebrado, quando diz: "Supra quae
propitio..." (=Sobre os quais com propício...). - Quinto - pede o
efeito deste sacrifício e sacramento: 1º - para os que o receberem, quando diz: "Suplices
te rogamus..." (=Nós Vos suplicamos, humildemente...); 2º - para os
mortos que já não podem receber, quando diz: "Memento etiam,
Domine..." (=Lembrai-vos também, Senhor... ); 3º -
especialmente pelos sacerdotes mesmos que o oferecem, quando diz: "Nobis
quoque peccatoribus..." (=A nós também, pecadores...".
A seguir vem a
recepção do sacramento. - E primeiro o povo é preparado para o receber
-primeiramente, pela oração comum de todo o povo, que é a oração dominical, na
qual pedimos: o pão nosso de cada dia nos dai hoje; e também pela
oração particular, que o sacerdote especialmente oferece pelo povo, quando diz:
"Libera nos, quaesumus, Domine..." (=Livrai-nos,
Senhor, nós volo pedimos...). - Segundo - o povo é preparado
pela paz, que é dada quando reza o Agnus Dei: pois este é o
sacramento da unidade e da paz. Mas nas missas dos defuntos, nas quais o
sacrifício é oferecido, não pela paz presente, mas pelo descanço dos mortos,
omite-se a paz.
Segue-se depois a recepção do
sacramento, pelo sacerdote primeiro, que o distrubui depois aos outros; porque,
como diz (S.) Dionísio, quem dispensa o sacrifício aos outros deve, primeiro,
participar dele.
E por último, a celebração
completa da missa termina pela ação de graças - o povo exultando pela recepção
deste mistério, como o significam os cânticos depois da comunhão; e o
sacerdote, dando graças pela oração, assim como Cristo, celebrada a Ceia com os
discípulos, disse o hino, como
referem os Evangelhos de São Mateus,
XXVI, 30 e São Marcos, XIV, 26.
Por tudo que acabamos de
explicar, temos a solução das dificuldades:
RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES
1ª Objeção: Parece que foram
inconvenientemente ordenadas as palavras proferidas neste sacramento, porque
este sacramento é consagrado pelas palavras de Cristo, como diz (Santo)
Ambrósio. Logo, nele não se deve proferir nada mais senão as palavras de Cristo.
RESPOSTA: A consagração se opera pelas sós
palavras de Cristo. Mas é necessário fazer-lhes acréscimos para a preparação do
povo, que recebe o sacramento, como dissemos.
2ª
Objeção: As palavra de Cristo nós as conhecemos pelo Evangelho. Ora, na
consagração deste sacramento, os Evangelhos referem que Cristo disse: Tomai
e comei, sem dizer - todos. Mas na celebração deste
sacramento diz-se: "Accipite, et manducate ex hoc omnes", isto é,
"Tomai e comei dele todos". Logo, esta palavra (=todos)
não devia ser proferida na celebração deste sacramento.
RESPOSTA: O vocábulo - todos - subentende-se entre as palavras
do Evengelho, embora não esteja nele expresso. Pois, Cristo disse: "Se não
comerdes a carne do Filho do Homem, não tereis a vida em vós" (São
João, VI, 54). Além disso: estas palavras não fazem parte da forma da Consagração.
3ª
Objeção: Os demais sacramentos se ordenam à salvação de todos os fiéis. Ora, na
celebração destes sacramentos não se faz oração comum pela salvação de todos os
fiéis e dos defuntos. Logo, também não se devia assim proceder neste
sacramento.
RESPOSTA: A Eucaristia é o sacramento de
toda a unidade eclesiástica. Por isso, mais especialmente neste que nos outros
sacramentos, deve-se fazer menção de tudo aquilo que se refere à salvação de
toda a Igreja.
4ª Objeção: O batismo é especialmente chamado
o sacramento da fé. Logo, o que se refere à instrução da fé deve ser conferido
antes no batismo que neste sacramento.; assim a doutrina Apostólica e a dos
Santos Evangelhos.
RESPOSTA: Há duas espécies de instrução na
fé. - Uma é a dos catecúmenos, que acabam de receber a fé. E esta
instrução é dada no batismo. - Outra é a recebida pelo povo fiel, que participa
deste mistério. E esta é dada neste sacramento. Contudo, dela não ficam
privados também os catecúmenos e os infiéis. Por isso dispõe um cânone: "O
bispo não proíba a ninguém entrar na Igreja e ouvir a palavra de Deus, quer se
trate de gentio, quer de herético ou Judeu, até a missa dos catecúmenos, na
qual está contida a instrução da fé".
5ª Objeção: Todo sacramento supõe
a devoção dos fiéis. Logo, não se deve, mais por este sacramento que pelos
outros, despertar-lhes a devoção mediante louvores divinos e advertências;
p.ex., quando se diz: "Sursum corda" - "Habemus ad Dominum"
(=Corações ao alto! - Já os temos para o Sehor!).
RESPOSTA: Este sacramento requer maior
devoção que os outros, porque nele está contido todo Cristo. É também mais
geral: porque exige a devoção de todo o povo a favor do qual é oferecido, e não
só dos que o recebem, como se dá com os outros sacramentos. Por isso, no dizer
de (S.) Cipriano, o sacerdote, recitado o prefácio,
prepara as almas dos seus irmãos, exclamando- "Sursum corda! e
respondendo o povo: "Habemus ad Dominum", é advertido a pôr
todos os seus pensamentos em Deus.
6ª Objeção: O ministro deste
sacramento é o sacerdote, como se disse na q,72,a1. Logo tudo quanto nele se
reza devia ser proferido pelo sacerdote e não, certas coisas pelos ministros e
certas outras pelo coro.
RESPOSTA: Neste sacramento menciona-se,
como se disse, o concernente a toda a Igreja. Por isso, o coro recita certas
partes atinentes ao povo. - Dessas, umas o coro as continua até ao fim; e esses
são os sugeridos a todo o povo. - Outros o sacerdote, que faz as vezes de
Deus, começa e o povo continua; em sinal de que tais coisas, como a fé na
glória celeste, chegavam ao povo por divina revelação. Por isso, o sacerdote
começa a recitar o Credo in unum Deum (Símbolo da fé) e o Gloria in excelsis Deo. Outros são recitados pelos
ministros, como a doutrina do Velho e do Novo Testamento; como sinal que ela
foi anunciada aos povos pelos ministros mandados por Deus.
Outras partes, porém, só o sacerdote é quem as recita; e são
as que lhe concerne ao ofício próprio, que é oferecer dons e
sacrifícios pelo povo, como diz São Paulo em Hebreus, V, I. Mas, aí, o
concernente ao sacerdote e ao povo, o sacerdote o recita em voz alta, e tais
são as orações comuns. - Mas certas outras, como a oblação e a consagração,
concernem só ao sacerdote. Por isso reza em voz submissa o que a constitui. Mas
antes, porém, o sacerdote desperta a atenção do povo, dizendo Per
omnia saecula saeculorum, e esperando o assentimento do povo com o Amen; e depois diz Dominus
vobiscum.
O que reza secretamente é também sinal de que , na Paixão de
Cristo, só às ocultas os discípulos O confessavam.
7ª Objeção: Este sacramento é certamente
obra do poder divino. Logo, é supérfluo o pedido do sacerdote para que essa
obra se cumpra: "Quam oblationem tu, Deus, in omnibus... facere
digneris..." (=Esta oblação, ó Deus, nós pedimos, dignai-Vos
abençoá-la, recebê--la e aprová-la plenamente..."
RESPOSTA: - Primeiro devemos estar lembrados
que a eficácia das palavras sacramentais pode ficar impedida pela intenção do
sacerdote. - Nem há inconveniente em pedirmos a Deus o que
sabemos com certeza Ele o fará; assim Cristo pediu a sua glorificação (São
João, XVII). - Aqui, no entanto, o sacerdote não ora para que se faça a
consagração, mas para nos ser ela frutuosa; donde dizer sinaladamente que
ela se torne para nós o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo. E isto
significam as palavras que proferiu antes: Dignai-Vos tornar esta
oblação bendita,isto é, como o explica (Santo) Agostinho, pela
qual sejamos abençoados, pela graça; aprovada,isto é, pela
qual sejamos recebidos no céu; ratificada, isto é, que
por ela sejamos unidos ao coração de Cristo; racionável, isto
é, pela qual sejamos livres do senso animal; aceitável, isto
é, a fim de que, descontentes de nós mesmos, por meio dela sejamos
aceitáveis ao Seu Filho único.
8ª
Objeção: O sacrifício da Lei Nova é muito mais excelente que o dos
antigos Patriarcas. Logo, o sacerdote não devia pedir a aceitação desse
sacrifício, como o de Abel, Abraão e Melquisedech.
RESPOSTA: Embora este sacramento seja, em
si mesmo, superior a todos os antigos sacrifícios, contudo os sacrifícios dos
antigos foram muito aceitos de Deus, por causa da devoção deles. Por isso o
sacerdote pede que este sacrifício seja aceito de Deus, pela devoção dos
oferentes, como o foram aqueles outros do A. T.
9ª
Objeção: O corpo de Cristo, assim como não começa a estar neste sacramento por
mudança de lugar ( como antes q. 75,a 2 foi dito), assim também nem, por este
modo, deixa de nele estar. Logo, não é apropriada a petição do sacerdote:
("Suplices te rogamus, omnipotens Deus): jube haec perferri
per manus sancti Angeli tui... (Nós Vos suplicamos, humildemente, ó
Deus onipotente, que, pelas mãos de vosso Santo Anjo, mandeis levar
estas ofertas ...).
RESPOSTA: O sacerdote não pede nem que as
espécies sacramentais sejam levadas ao céu; nem que o seja o verdadeiro corpo
de Cristo, que aí não deixa de estar presente. Mas o pede para o corpo místico,
simbolizado neste sacramento; isto é, que as orações, tanto do povo como do
sacerdote, os apresente a Deus o anjo assistente aos divinos mistérios, segundo
aquilo do Apocalipse, VIII, 4: "Subiu o fumo dos perfumes das
orações dos santos da mão do anjo. Quanto à expressão - sublime altar de Deus - significa ou a própria Igreja
triunfante, a que pedimos sejamos trasferidos; ou Deus mesmo, do qual pedimos
participar. Pois, deste altar diz a Escritura em Êxodo, XX, 26: "Non
ascendes per gradus ad altare meum, isto é, in Trinitate gradus non
facies". ("Não
subirás por degraus ao meu altar, isto é, não introduzirás graus na
Trindade"). - Ou, pelo anjo entende-se o próprio Cristo, o
Anjo do grande conselho, que uniu o seu corpo místico a Deus Pai e à Igreja
triunfante. Donde também a denominação de missa; porque pelo anjo o sacerdote
emite (mittit) as suas preces a Deus, como o povo, mediante o
sacerdote. Por isso, no fim da missa o diácono diz nos dias festivos- Ite,
missa est (= Ide,
foi oferecida) isto é, a hóstia a Deus pelo anjo, de modo a ser de Deus
aceita.
ARTIGO V: Se as cerimônias usadas
na celebração deste mistério são convenientes.
Parece que as cerimônias usadas na
celebração deste sacramento não são convenientes.
Mas devemos dizer o contrário, porque estas cerimônias fazem
parte do costume legitimo (consuetudo) da Igreja, que não pode
errar, dado que é inspirada pelo Espírito Santo.
EXPLICAÇÃO que dá a SOLUÇÃO para todas as dificuldades ou
objeções.
Como dissemos, para ser mais perfeita a significação, tudo o que se faz nos
sacramentos é significado duplamente por palavras e por atos. Ora, certos
passos da Paixão de Cristo, representados na celebração deste sacramento, são
significados por palavras. Ou ainda certas coisas concernentes ao corpo
místico, que esse sacramento representa; e outras referentes ao uso do mesmo,
que deve ser com devoção e reverência. Por isso, na celebração deste mistério,
certas práticas representam a Paixão de Cristo; ou ainda, a disposição do corpo
místico; e certas outras dizem respeito à devoção e reverência devidas a este
sacramento.
OBJEÇÕES
E assim podemos responder às
objeções:
1ª
Objeção: Este sacramento pertence ao Novo Testamento, como o mostra a sua
própria forma. Ora, na vigência do Novo Testamento não se devem observar as
cerimônias do Velho, nas quais o sacerdote e os ministros lavavam-se com água
quando iam oferecer o sacrifício. Assim, lemos em Êxodo, XXX, 19: "Aarão
e seus filhos lavarão as suas mãos e os pés, quando tiverem de se aproximar do
altar...". Logo, não é conveniente o sacerdote lavar as mãos na
solenidade da missa.
RESPOSTA: A ablução das mãos se faz na celebração
da missa, pela reverência devida a este sacramento. E isto por duas rações: 1º
- Por ser costume geral tocarmos em coisas preciosas com as mãos lavadas. Por
onde, faltaria à decência quem se achegasse a tão grande sacramento com as mãos
sujas, mesmo no sentido material. - 2º - Pelo significado da ablução. Pois,
como diz (S.) Dionísio, o lavarmos as extremidades significa a purificação,
ainda dos mínimos pecados, segundo aquilo do Evangelho de S. João, XIII, 10: "Aquele
que está lavado não tem necessidade de lavar senão os pés". E esta purificação é necessária a
quem se achega a este sacramento. O que também é significado pela confissão que
se faz antes do começo da missa. E o mesmo significava a ablução dos sacerdotes
na Lei Velha, conforme o ensina (S.) Dionísio no mesmo lugar. - Mas a Igreja
não o observa como preceito cerimonial da Lei Velha, senão como instituído por
ela, e na prática em si mesma conveniente. Por isso, não é observado do mesmo
modo por que o era antigamente. Também se omite a ablução dos pés,
conservando-se só a das mãos, por poder fazer mais facilmente e por bastar a
significar a perfeita purificação. Pois, sendo as mãos o
órgão dos órgãos, na expressão de Aristóteles, todas as obras se lhes
atribuem a elas. Donde o dizer o Salmo XXV, 6: "Lavarei
as minhas mãos entre os inocentes".
2ª Objeção: O Senhor mandou que o
sacerdote queimasse incenso de suave fragrância sobre o altar que estava diante
do propiciatório (Êxodo, XXX, 7). O que também era uma das cerimônias
do Antigo Testamento. Logo, não deve o sacerdote oferecer incenso, durante a
missa.
RESPOSTA: Não usamos incenso como se fosse
um preceito cerimonial da lei, mas por uma determinação da Igreja. Por isso não
oferecemos do mesmo modo pelo qual o estatuía a Lei no Velho Testamento. - E o
fazemos por duas razões - Primeiro, para reverenciar este sacramento:
para que o bom cheiro do incenso, expulse algum mau odor do local, que pudesse
provocar repugnância. Segundo, para representar o efeito da
graça da qual, como de bom odor, Cristo tinha a plenitude, segundo aquilo da Escritura Gênesis XXVII, 27: "Eis o
cheiro de meu filho como o cheiro de um campo cheio." E o qual deriva de Cristo para os
fiéis, por meio dos ministros, segundo aquilo do Apóstolo em 2 Corintios
II, 14: "Por nosso meio difunde o odor do conhecimento de si
mesmo em todo lugar." Por isso , depois de incensado todo o altar, que
designa a Cristo, incensam-se os demais, numa certa ordem.
3ª Objeção: a) Transferimos para aqui a primeira parte
da 2ª objeção do artigo anterior.
Os atos de Cristo nós os conhecemos pelo Evangelho.
Ora, na consagração deste sacramento se alude a ato que não está no Evangelho.
Assim, aí não lemos que Cristo, na consagração deste sacramento, elevasse os
olhos para o céu. Pois, na celebração deste sacramento se diz: Tendo
elevado os olhos ao céu". Logo, isto não deveria ser feito
na celebração deste sacramento.
RESPOSTA: Como diz o Evangelho de São João XXI, 25 , muitas coisas fez e disse
o Senhor pelos Evangelistas não referidas. Entre elas está que o Senhor, na
Ceia, elevou os olhos para o céu, o que a Igreja o recebeu pela tradição dos
Apóstolos. Pois é racional, que quem, na ressurreição de Lázaro e na
oração que fez pelos discípulos, levantou os olhos para o Pai, como o narra o
evangelista, com maior razão o fizesse ao instituir este sacramento, coisa mais
importante.
3ª Objeção: b) As cerimônias realizadas
nos sacramentos da Igreja não devem reiterar-se. Logo, não deve o sacerdote
repetir tantas vezes os sinais da cruz sobre este sacramento.
RESPOSTA: O sacerdote, na celebração da
Missa, faz o sinal da cruz para exprimir a Paixão de Cristo, que na cruz se
consumou. A Paixão de Cristo, porém, realizou-se como por alguns graus.(=por
etapas).
Assim, primeiro, teve lugar a entrega de Cristo,
feita por Deus, efetuada por Judas e pelos Judeus. E isto significam os
três sinais da cruz acompanhados das palavras: Haec dona +, haec
munera + haec sancta sacrificia illibata +. Em português: "Estes
dons, estes presentes, estes santos sacrifícios sem mancha." Segundo, depois foi Cristo vendido. Ele
foi vendido, porém, pelos sacerdotes, escribas e fariseus. Para o significar, o
sacerdote faz de novo por três vezes o sinal da cruz, dizendo: "Benedictam, +
adscriptam, + ratam" + . Em português: "Bendita,
aprovada, ratificada". Ou para mostrar o preço da venda, que foram os
trinta dinheiros. E acrescenta duplo sinal da cruz às palavras: "ut
nobis corpus + et sanguis +... Em português: "Afim
de que para nós o corpo e o sangue..." a fim de designar a pessoa de
Judas, o vendedor, e de Cristo, o vendido. - Terceiro, a Paixão de Cristo foi
prenunciada na ceia. Para designá-lo o sacerdote faz em terceiro lugar, o sinal
da cruz por duas vezes - uma ao consagrar o corpo; outra, ao consagrar o
sangue, dizendo em ambas as vezes: "benedixit"=abençoou. Quarto: em quarto lugar, consumou-se a
Paixão mesma de Cristo. E para representar as cinco chagas de Cristo o
sacerdote faz pela quarta vez cinco sinais da cruz, dizendo: "hostiam + puram,
hostiam+sanctam, hostiam+ immaculatam, panem +sanctum
vitae aeternae, et calicem+ salutis perpetuae." Em
português: "a Hóstia pura, a Hóstia santa, a Hóstia imaculada.
o Pão santo da vida eterna e o Cálice da salvação perpétua". Quinto: em quinto lugar é representada a
extensão do corpo na cruz, a efusão do sangue e o fruto da paixão. Daí mais
três sinais da cruz acompanhados das palavras: "Filii tui + Corpus,
et + Sanguinem sumpserimus, omni + benedictione" ... Em português: "participando
deste altar, recebermos o sacrossanto Corpo e o Sangue de vosso Filho, sejamos
repletos de toda bênção celeste"... Sexto: em sexto lugar é representada a
tríplice oração que Cristo fez na cruz: - uma pelos seus perseguidores, quando
disse: "Pai, perdoai-lhes"... a segunda para libertar-se da
morte, quando disse: "Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste"? a terceira para alcançar a glória quando exclamou: "Pai, em
tuas mãos entrego o meu espírito". E para significá-lo o sacerdote faz três sinais
da cruz, dizendo: "sanctificas,+ vivificas, + benedicis"+...
= santificais, vivificais, abençoais... Sétimo: em sétimo lugar, representa as
três horas durante as quais ficou suspenso na cruz, isto é, desde a sexta até a
nona hora. E para significá-lo, faz de novo o sacerdote por três vezes o sinal
de cruz, pronunciando as palavras: "Per + ipsum, et
cum + ipso, et in + ipso". = "Por Ele, com Ele e n'Ele". Oitavo: em oitavo lugar, representa-se a
separação entre a alma e o corpo, por dois sinais da cruz subsequentes, fora do
cálice. Nono: Enfim, em nono lugar, é
representada a ressurreição, operada no terceiro dia, por três cruzes,
acompanhadas da palavras: "Paz + Domini sit + semper +
vobiscum". = "A paz do Senhor esteja sempre convosco."
- Mas, podemos dizer, mais brevemente, que a
consagração deste sacramento e a aceitação deste sacrifício, bem como o seu
fruto, procedem da virtude (=força ou eficácia) da cruz de
Cristo. Por isso, sempre que o sacerdote faz menção de alguma dessas três coisas(=consagração
deste sacramento, aceitação deste sacrifício e o seu fruto) faz o sinal da
cruz.
4ª Objeção: O Apóstolo diz em Hebreus, VII, 7: "Sem
nenhuma contradição, o que é inferior recebe a bênção do que é superior". Ora,
Cristo, que está neste sacramento, depois da consagração, é muito maior que o
sacerdote. Logo, inconvenientemente o sacerdote benze, depois da
consagração, este sacramento, fazendo sobre Ele o sinal da cruz.
RESPOSTA: O sacerdote, depois da
consagração, não faz o sinal da cruz para benzer e consagrar, mas só para
comemorar o sinal da cruz e o modo da Paixão de Cristo, o que ficou claro pelo
que foi dito acima ao responder à terceira objeção. (cinco cruzes sobre
Nosso Senhor para significar as cinco chagas feitas em Jesus na Sua Paixão).
5ª Objeção: Nos sacramentos da Igreja não deve haver
nada que seja ridículo. Ora, é ridículo fazer gesticulações, como quando o
sacerdote estende os braços, põe as mãos, junta os dedos e se inclina. Logo,
tais coisas se não deviam fazer neste sacramento.
RESPOSTA: Nenhum dos gestos do sacerdote,
na missa, constitui gesticulação ridícula , pois têm o fim de representar
alguma coisa. - Assim, o estender os braços depois da consagração significa o
Cristo com os braços estendidos na cruz. - Também levanta as mãos ao orar, para
significar que a sua oração se dirige a Deus, pelo povo, segundo aquilo
da Escritura Tren., III, 41: "Levantemos
ao Senhor os nossos corações com as mãos para os céus.". E Êxodo, XVII, 11 diz: "Quando
Moisés tinha as mãos levantadas vencia Israel". - Quando põe as mãos, inclina-se,
orando súplice e humildemente, designa assim a humildade e a obediência com que
Cristo sofreu. - Junta os dedos polegar e indicador, com que tocou o corpo
consagrado de Cristo a fim de que não se disperse alguma partícula que a eles
se tivesse apegado. O que constitui reverência para com o
sacramento.
6ª Objeção: Também é ridículo o sacerdote
voltar-se tantas vezes para o povo, tantas vezes saudá-lo. Logo, nada disso
devia fazer-se na celebração deste sacramento.
RESPOSTA: O sacerdote volta-se cinco vezes para o povo, para
significar que o Senhor se manifestou cinco vezes no dia da ressurreição, como
dissemos quando tratamos da ressurreição de Cristo. - Saúda sete vezes o povo,
isto é, cinco vezes quando se volta para ele; e duas, em que não se volta, isto
é, quando antes do prefácio diz: "Dominus vobiscum". E quando diz: "Pax
Domini sit semper vobiscum" = "A paz do Senhor esteja sempre
convosco" para designar a septiforme graça do Espírito Santo. Quanto ao
bispo, quando celebra nos dias festivos, diz, na primeira saudação: "Pax
vobis", o que
depois da ressurreição o Senhor o disse aos discípulos, cujas pessoas sobretudo
as representa o bispo.
7ª Objeção: O Apóstolo em 1ª Cor. I,
13 diz que Cristo não deve ser dividido. Ora, depois da consagração
Cristo está neste sacramento. Logo, o sacerdote não devia fracionar a hóstia.
RESPOSTA: A fração da hóstia significa três
coisas. Primeiro, a divisão mesma do corpo de
Cristo, que se operou na Paixão. - Segundo, a distinção do corpo místico em
diversos estados. - Terceiro, a distribuição das graças
procedentes da Paixão de Cristo, com diz (S.) Dionísio. Por onde, tal fracção
não induz divisão em Cristo.
8ª Objeção: As cerimônias deste sacramento
representam a Paixão de Cristo. Ora, na Paixão, o corpo de Cristo foi dividido
nos lugares das cinco chagas. Logo, o corpo de Cristo devia ser
dividido antes em cinco que em três partes.
RESPOSTA: Como diz o Papa Sérgio (em De consecr., didt. II):
"Triforme é o corpo do Senhor. A parte oferecida, posta
no cálice, representa
o corpo de Cristo já ressuscitado. Isto é, o próprio Cristo e a
Santa Virgem, que já estão na glória com os seus corpos. A
parte que se come significa os que ainda vivem nesta terra. pois os
peregrinos neste mundo se unem com Cristo pelo sacramento; e ficam alquebrados
pelo sofrimento como o pão comido é triturado. - A parte remanescente no
altar até o fim da missa significa o corpo jacente no sepulcro; porque até o
fim dos séculos os corpos dos santos estarão nos sepulcros; mas as almas estão
no purgatório ou no céu. Este rito porém não se observa atualmente, isto é, o
de conservar uma parte até ao fim da missa. Mas permanece a mesma significação
das partes. O que certos exprimiram em versos, dizendo: A
hóstia se divide em partes; molhada (=a que fica dentro
do cálice com o precioso sangue) significa os que gozam da plena beatitude; seca,
significa os vivos; conservada, significa os sepultos.
Certos, porém, dizem, que a parte posta no cálice significa os
viventes neste mundo; a conservada fora do cálice significa os plenamente
bem-aventurados, isto é, em corpo e alma; a parte comida significa os outros.
9ª Objeção: O corpo de Cristo é totalmente
consagrado neste sacramento, em separado do sangue. Logo, não se devia misturar
com o sangue uma parte dele.
RESPOSTA: O cálice pode ter dupla
significação. - Numa é a Paixão mesma, representada neste sacramento. E então,
a parte posta no cálice significa os ainda participantes dos
sofrimentos de Cristo. - Noutra significação pode simbolizar o gozo dos bem-aventurados,
também prefigurado neste sacramento. Por onde, aqueles cujos corpos já gozam da
plena beatitude são simbolizados pela parte posta no cálice. - E devemos
notar, que a parte posta no cálice não deve ser dada ao povo como complemento
da comunhão, porque o pão molhado Cristo não o deu senão ao traidor Judas.
10ª Objeção: Assim como o corpo de Cristo
é dado neste sacramento como comida, assim o sangue de Cristo, como
bebida. Ora, à recepção do corpo de Cristo, ao celebrar a missa, não se lhe
acrescenta nenhum outro alimento para o corpo. Logo, não devia o sacerdote,
depois de ter bebido o sangue de Cristo, tomar vinho não consagrado. (Se refere
ao vinho das abluções)
RESPOSTA: O vinho, em razão da sua humildade,
serve para lavar. Por isso, é tomado depois da suscepção deste sacramento, para
lavar a boca, para que nenhuma partícula nela fique; o que constitui reverência
para com este sacramento. Por isso, uma disposição canônica determina: o
sacerdote deve sempre lavar a boca com o vinho, depois de ter recebido
completamente o sacramento da Eucaristia; salvo de dever no mesmo dia (Isto
porque o jejum eucarístico era de 12 horas e só se celebrava de manhã) celebrar
outra missa; a fim de que o vinho tomado para lavar a boca não impedisse
celebrar outra vez. E pela mesma razão lava com vinho os dedos, com que tocou o corpo de
Cristo.
11ª Objeção: O verdadeiro deve
corresponder ao figurado. Ora, do cordeiro pascal, que foi a figura deste
sacramento, a lei ordenava que nada se conservasse para o dia seguinte. Logo,
não se deviam conservar hóstias consagradas, mas consumi-las logo.
RESPOSTA: A verdade deve, de certo modo,
corresponder à figura; assim não deveria realmente a parte da hóstia
consagrada, da qual o sacerdote e os ministros ou também o povo comungam, ser
conservada para o dia seguinte. Mas devendo este sacramento ser recebido todos
os dias, o que não se dava com o cordeiro pascal, por isso é necessário
conservar outras hóstias consagradas para os enfermos. Por onde na
legislação da Igreja dada pelo Papa (S.) Clemente se estabelece: "O
prebítero tenha sempre preparada a Eucaristia de modo que quando alguém
adoecer, dê-lhe logo a comunhão, não vá morrer sem ela."
12ª Objeção: O sacerdote fala aos
ouvintes no plural; por exemplo, quando diz: "Dominus
vobiscum" (= O Senhor esteja convosco), e, "Gratias agamus" (=
Demos graças). Ora, não devemos falar no plural quando nos dirigimos a
um só, sobretudo inferior. Logo, não devia o sacerdote celebrar a missa,
estando presente só um ministro.
RESPOSTA: Na celebração solene da missa,
vários devem estar presentes. Donde o dizer o Papa Sotero: "Também
isto foi estabelecido, que nenhum sacerdote ouse celebrar solenemente a missa
sem dois ministros presentes, que lhes respondam, a ele como terceiro; porque
quando diz no plural "Dominus vobiscum"; e a oração secreta
"Orate pro me", é necessário evidentemente que lhe alguém responda à
saudação". Por isso, para maior solenidade,
lemos no mesmo lugar como estatuído ( De Consecr. dist. I ,
papa Soter) que o
bispo celebre, com vários ministros, a solenidade da missa. - Mas, nas
missas privadas, basta haver um ministro, representante de todo o povo católico,
em nome do qual responde no plural ao sacerdote.